RODADA DOHA: ''A Rodada está por um fio'', admite Amorim
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"A Rodada Doha está por um fio." O alerta foi dado pelo chanceler Celso Amorim, ao deixar ontem (28.07) a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) em plena madrugada e depois de 13 dias de impasse total. A esperança de um acordo na entidade se desfazia à medida que a reunião dramática entre os ministros entrava pela noite, com intransigências de chineses, indianos e americanos. "Não sabemos sequer se a Rodada está viva ou morta", afirmou um alto funcionário da entidade. Para muitos, o que se tenta agora é encontrar um culpado para declarar oficialmente o fim do processo.
Propostas brasileiras - "Não há um acordo. O tempo está acabando", lamentou Amorim, que apresentou uma série de propostas para tentar romper o impasse. O centro do debate passou a ser a falta de um acordo entre Estados Unidos, Índia e China sobre o acesso para produtos agrícolas. O Brasil propôs um novo texto, para que o impasse fosse superado, que não prosperou. A Índia optou por tentar transferir a culpa de um fracasso sobre os americanos, perto da meia-noite. As declarações enfureceram a Casa Branca, que entrou para a última reunião pronta para anunciar que abandonaria o processo. Coube a Amorim e ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, acalmar os ânimos e pedir que todos voltassem hoje para uma última reunião. Antes disso, os ministros chegaram até mesmo a declarar o fim do processo.
Fim, mas com diplomacia - Durante os debates, um dos ministros chegou a sugerir um entendimento para declarar uma "aterrissagem suave". Ou seja, decretar o fim do processo, mas de uma forma diplomática para permitir que o processo pudesse continuar em alguns meses ou anos. No centro do furacão estava o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, que passou o dia recusando quase todas as propostas que lhe foram apresentadas. Para complicar, o indiano tentou transferir a culpa de um fracasso para os americanos e anunciou, em plena negociação, que seu país estava disposto a aceitar uma das propostas. "Nós aceitamos a nova proposta. Mas os que não aceitaram devem se declarar", afirmou Nath, insinuando que os EUA deveriam deixar de culpar os demais e admitir que seriam o motivo do impasse agora.
Estados Unidos - Nos bastidores, porém, Amorim alertou a Casa Branca que, se não se movesse, também seria culpada pelo fiasco, além de Índia e China. A representante de Comércio americana, Susan Schwab, qualificou de "desleais" as declarações de Nath e se recusou a negociar. "A situação é muito tensa", avisou Keith Rockwell, porta-voz da OMC. "Foi um debate muito emocional", disse a comissária de Agricultura da UE, Mariann Fischer Boel.
Tensão - Os sinais de tensão surgiram logo cedo. O governo americano pôs de lado a diplomacia para acusar China e Índia por um eventual fracasso, já prevendo o colapso das negociações. A estratégia tinha como objetivo evitar que a culpa no final fosse atribuída aos países ricos. Num encontro com 153 países, David Shark, um dos negociadores americanos, pediu a palavra para atacar a China e acusá-la de estar retrocedendo em suas promessas. Poucas horas depois, foi Schwab quem soava um sinal de alerta. "Um país retraiu sua posição e outro se recusa a aceitar. Era um equilíbrio delicado. Há um risco real de um fracasso". O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson também deixou claro que o fracasso estaria vindo. "Estamos em um momento muito difícil. Se não houver flexibilidade e liderança, vamos todos cair."
Reação - Os chineses reagiram imediatamente, alegando que os americanos simplesmentes não estariam cortando de forma suficiente seus subsídios agrícolas. "É surpreendente que agora os Estados Unidos estejam buscando um culpado", afirmou o embaixador chinês, Sun Zhenyu. Amorim tentava jogar a carta de mediador. "O principal desafio agora é manter nossos nervos no lugar", afirmou. O brasileiro, pelo menos até o início da noite, admitia que a situação estava complicada. "Estamos no limite." (Estadão)