Artigo: A vaca louca e o boi verde

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Dilceu Sperafico (*)

Como não devemos comemorar a desgraça alheia, especialmente quando atinge companheiros produtores rurais, a confirmação oficial da existência da doença da vaca louca no rebanho bovino dos Estados Unidos precisa ser encarada como uma preciosa lição e não apenas como nova e grande oportunidade para a expansão do agronegócio brasileiro. Trata-se de mais um alerta sobre a importância decisiva da sanidade animal, na conquista ou manutenção de espaços no competitivo e cada vez mais exigente mercado internacional de alimentos. A simples possibilidade de foco de uma enfermidade grave em animais ou vegetais já espanta compradores externos e a confirmação desses casos, mesmo que isolados, resulta fatalmente na suspensão de todos os contratos de importação anteriormente firmados. A retomada desses negócios demanda anos de duras negociações e intenso trabalho de comprovação da eliminação da doença, com perdas incalculáveis para toda a cadeia produtiva da atividade atingida.
Os suinocultores brasileiros certamente ainda não esquecem a tragédia do surto de peste suína africana, no final dos anos 70. A doença teria atingido, de fato, apenas suínos alimentados com lixo nas proximidades do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, mas houve o sacrifício de rebanhos até no Sul do País e a carne suína brasileira permaneceu rejeitada em todo o mundo durante décadas. Os prejuízos foram imensos, pois além dos animais sacrificados, a reconquista dos mercados perdidos consumiu anos de investimentos e negociações. Os produtores lesados, porém, aprenderam a lição, pois a suinocultura nacional passou a destacar-se nas ações visando a melhoria da sanidade e qualidade genética dos plantéis. Graças à essa mobilização, que incluiu a criação de fundos para a indenização de criadores que tivessem animais abatidos, foram eliminadas ou controladas doenças como a peste suína clássica e a febre aftosa dos rebanhos suíno e bovino do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do País. Hoje a atividade está entre as melhores e mais produtivas do mundo.
Com o mal da vaca louca atingindo bovinos da Europa e América do Norte, o Brasil pode repetir a façanha da suinocultura na pecuária de corte. O País já tem o maior rebanho e em 2003 tornou-se o principal exportador mundial de carne bovina, tendo ainda a vantagem de produzir o chamado boi verde ou orgânico. Trata-se de animal criado no pasto e alimentado apenas com capim. Esses bovinos engordam sem o uso de rações industrializadas, que incluem em sua formulação farinha de osso e de carne, além de aditivos químicos. No Hemisfério Norte, devido à impossibilidade de manutenção de grandes pastagens, rigor do clima e necessidade de produção em grande escala, os bovinos são criados em confinamento e alimentados com as rações suspeitas da transmissão da enfermidade, que dizimou a pecuária européia e agora causa prejuízos de bilhões de dólares aos norte-americanos. As conseqüências imediatas do episódio serão a redução do consumo de carne bovina e aumento da demanda de carnes suína e de frango, além de soja, nos países desenvolvidos, o que poderá abrir mercados para os produtos brasileiros, de reconhecida qualidade. Está aí, portanto, mais uma razão para investirmos cada vez mais em pesquisa científica, qualidade e sanidade dos alimentos e rastreabilidade dos produtos de origem animal e vegetal.

(*) Dilceu Sperafico é deputado federal pelo Paraná

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