Desmistificando os transgênicos

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(*) Antonio Félix da Costa

A grande discussão que se empreende hoje a respeito dos transgênicos, ou organismos geneticamente modificados OGM's, é motivada pela falta de conhecimento, para se dizer o mínimo. E o pior dessa discussão é que setores do executivo que teriam a obrigação de ajudar a dirimir as dúvidas da sociedade incentivam ou estimulam o debate por um posicionamento equivocado, enquanto o judiciário, embasado em pareceres com interesses não declarados, mantém a sua proibição no território nacional.

Não há como se justificar um posicionamento, seja contra ou a favor, se não se tem um bom conhecimento de causa.Partindo-se do fato de que os organismos vivos, animais ou plantas, têm suas características governadas por sua genética, contida em uma cadeia de ácido nucléico DNA, específico para cada espécie, ao logo do tempo o homem vem tentando influir para alterar essas características, na medida em que procura adaptar ou adequar os animais e as plantas, visando potencializar a sua eficiência produtiva.Ao longo da história, sem conhecimento da ciência, o homem já fazia melhoramento quando selecionava a melhor semente para o plantio seguinte.

Com as descobertas de Mendel, o cruzamento entre variedades ou até mesmo entre espécies foi utilizado para se introduzir um caráter superior naquele material que se queria melhorar.Os avanços que o IPA conseguiu ao longo de seus quase setenta anos de experiência em pesquisa agropecuária no estado de Pernambuco, com a criação de variedades de feijão, milho, arroz, soja, cebola, tomate e outras hortaliças, devem-se ao melhoramento genético convencional. Esse processo é lento e requer grande quantidade de cruzamentos, de linhagens, grandes áreas para experimentação, uma boa e qualificada equipe e um certo volume de recursos. Para se ter uma idéia, o tempo necessário para a criação de uma variedade de feijão com todas as características desejadas de cor, formato e peso do grão, resistência a pragas e doenças, adaptabilidade às condições ambientais, estabilidade de produção, elevada produtividade, dentre outras características, leva-se em torno de dez a doze anos.

COMO OCORRE

O que ocorre, então, com os transgênicos? Primeiro, esses organismos são assim definidos por receberem uma manipulação artificial dos seus genes, ação desencadeada pela engenharia genética. E como se processa essa manipulação? Aqui reside a diferença entre o melhoramento genético clássico e as alterações processadas pela engenharia genética. Na primeira, o homem realiza o cruzamento entre dois ou mais materiais diferentes e a recombinação entre os genes que daí decorrem independente do homem. Ele apenas seleciona ao longo do tempo aqueles materiais que se sobressaem, por meio de marcadores previamente estabelecidos, conhecidos, ou pela expressão de um determinado caráter.Na engenharia genética, para a criação de um organismo geneticamente modificado o processo se inicia após definição do caráter que se quer modificar e com a seleção de um gene que irá ser introduzido no material a ser transformado.

Esse gene poderá ser encontrado em um outro material da mesma espécie ou até mesmo em espécies diferentes. Conhecido o mapeamento genético, digamos da variedade a ser engenherada, e identificado o gene que confere aquela característica que se quer modificar, o passo seguinte é introduzi-lo no material genético daquela variedade.Essa introdução requer técnicas refinadas de biologia molecular que não cabem discutir nesse momento, mas para efeitos práticos é como se fosse processado um corte na fita de DNA da variedade, retirasse um pedacinho (gen) do DNA da outra variedade e o introduzisse no local daquele corte.

Esse gene introduzido passa a fazer parte normal da cadeia do DNA original, expressando-se normalmente na nova planta então gerada.Tome-se um exemplo para efeito de compreensão do processo: uma determinada variedade de feijão não é cultivada em uma certa área por não suportar o elevado nível de sal ali presente. Percebe-se, no entanto, que uma erva daninha se desenvolve muito bem naquela área. Pelo melhoramento convencional, seria impossível transferir esse gene da erva daninha para a variedade de feijão por não haver compatibilidade e, portanto, possibilidade de efetivar o cruzamento entre materiais geneticamente tão diferentes.

Pela engenharia genética, isso seria possível. Faz-se o mapeamento genético da erva, identifica-se o gene que confere a ela resistência genética à salinidade, retira-se o gene e o introduz no DNA da variedade de feijão em estudo e regeneram-se as plantas com essa nova carga genética, que permitirá o seu cultivo naquela área, antes impossível.

POR QUE A POLÊMICA?

Bom, e por que a celeuma em torno dos transgênicos? Porque a engenharia genética tem possibilidades mil de interferir e combinar genes diferentes.Com a vantagem, é claro, de fazer isso de forma rápida, diferentemente do melhoramento convencional, como foi demonstrado. Porque lá, há a recombinação entre duas cargas genéticas, portanto, envolvendo muitos genes, e o homem procura selecionar aqueles materiais superiores. Aqui, há a introdução do gene único que se quer, necessitando, portanto, de poucos testes e, em conseqüência, de um tempo infinitamente menor.

O homem aproveita essa versatilidade da engenharia genética para resolver muitos problemas que o melhoramento clássico ainda não foi capaz de solucionar. É o caso do milho resistente a algumas pragas. A variedade engenheira da produz uma substância que é letal a algumas lagartas pragas da cultura. Isso ocorre porque foi introduzido na variedade de milho um gen de bactéria encontrada comumente no solo, chamada Bacillus thuringiensis (Bt) que tem ação sobre essas lagartas. Naturalmente já é possível eliminaras lagartas, pulverizando-as com uma suspensão dessa bactéria, que também tem efeito sobre o mosquito da dengue e outras pragas.Com isso se ganha tempo, diminuem-se os gastos e, mais importante, diminui-se o volume de inseticidas jogados nas lavouras, estes sim danosos à saúde dos trabalhadores, dos consumidores e poluidores do meio ambiente,enquanto essa bactéria não causa nenhum efeito em mamíferos, segundo o Doutor Vicente Amato Neto, médico infectologista e professor de medicina da USP, em artigo publicado na Folha de São Paulo, de 24.05.2003.Aliás, o professor Amato Neto nesse artigo se posiciona inteiramente favorável aos transgênicos, "considerando complicado dizer que são necessários mais estudos para provar que os transgênicos não fazem mal".Comercialmente, há outros exemplos de transgênicos como a soja resistente a herbicida e o algodão resistente a pragas, necessariamente não cultivados no Brasil. Todos contribuindo, como se vê, para a diminuição da aplicação de inseticidas sintéticos o que deveria ser louvado. Mas há outras aplicações.Veja o exemplo do arroz enriquecido com um gene que produz a vitamina A. O seu emprego teria ampla repercussão em países pobres, cujas populações apresentam carência nutricional.

Dessa forma, essas e outras culturas poderiam ser enriquecidas com outros elementos indispensáveis ao cardápio nutricional de nossas populações carentes.Experimentalmente, nossos cientistas, ao longo das duas últimas décadas, já acumularam conhecimentos necessários para a criação de transgênicos resistentes a fungos, bactérias, vírus e uma gama enorme de estresses ambientais em culturas diversas, como hortícolas, frutícolas, graníferas, oleaginosas etc.A alegação de que os transgênicos fazem mal à saúde do ser humano carece de fundamentação científica. Negar a existência de reações diversas também não é correto. Por isso, temos que concordar que se devem esgotar todas essas possibilidades, empreendendo os estudos necessários antes da liberação de um transgênico.É suficiente lembrar o que ocorre com o nosso organismo quando se almoça utilizando-se o feijão comum (tipo carioca, por exemplo) e o macássar. As proteínas deste são de fácil digestão e por isso considerado por alguns como"fraco", não sendo da preferência do nosso trabalhador rural. Com o primeiro, passa-se a tarde com a sensação de se estar "cheio", imaginando-se bem alimentado, às vezes tornando-nos até inconvenientes.

Diante de tudo isso, o IPA, órgão oficial da pesquisa agropecuária do estado de Pernambuco, coloca-se a favor dos transgênicos, desde a sua pesquisa, o plantio comercial, a comercialização e o consumo, defendendo, no entanto, que há a necessidade de um acompanhamento pelos órgãos governamentais das pesquisas desenvolvidas assim como, de sua identificação por meio de uma rotulagem adequada, de modo a permitir ao consumidor o direito de escolher o que quer comprar e consumir.--------------------------

(*) Artigo publicado no Jornal do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco pelo pesquisador Antônio Félix da Costa, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Pernambuco (IPA) - Recife PE - E-mail: Este endereço para e-mail está protegido contra spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

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