OPINIÃO: Ceres

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Roberto Rodrigues (*)

Uma homenagem da deusa da agricultura aos heróis que fazem do Brasil um grande exportador de alimentos.

Fazia pouco de frio: junho estava muito mais para inverno do que para outono. Ela vestiu suas calças jeans de algodão do Paraná e suas longas belas pernas ficaram protegidas. Sobre uma blusinha branca de seda, desenhada com dálias vermelhas, vestiu um casaquinho de gaúcha lã de ovelha, cor-de-rosa, combinando com as meinhas da mesma cor, que sumiram na elegante bota de couro de gado de Mato Grosso.
Mesmo com tanta roupa, as curvas generosas do seu corpo escultural eram marcantes. Escovou os dentes com pasta mentolada, passou seu delicioso perfume floral, penteou os longos cabelos negros brilhantes e desceu para o café da manhã.
Leu os jornais do dia, produzidos a partir de árvores catarinenses, e sentou-se à mesa de mogno cultivado no Acre, coberta por uma alva toalha de linho. O pãozinho de trigo de Mato Grosso do Sul e a broa de milho goiano com manteiga paulista e geléia de morango fluminense acompanhavam um chocolate baiano adoçado pelo açúcar mascavo nordestino. Uvas e papaia do vale do São Francisco completavam o cardápio matinal.
O cafezinho, cujo aroma convidativo era sempre bem-vindo, tinha o blend do arábica mineiro e do conilon capixaba. Pronta e linda como sempre, as madeixas balançando ao sabor do andar sensual, ela saiu para o trabalho. Examinou os pneus de borracha rondoniense do seu carro, entrou, fechou a porta e foi abastecer com um pouco do álcool da cana-de-açúcar do Brasil.
Enquanto guiava para o escritório, ia apreciando a paisagem. O corpo ainda tinha saudade dos lençóis de cetim que cobriam o colchão de penas e os travesseiros de macelinha-do-campo, cujo perfume ainda exalava dos cabelos encaracolados. Os canteiros de flores diversas que se alternavam no caminho iam colorindo a grama que secava... e as árvores, centenas, milhares, de todas as famílias, de todas as idades, dançavam gentilmente ao sabor da fria brisa matinal. Eram tantos ipês, jacarandás, aroeiras, mognos, cedros, paineiras, jequitibás, jatobás, faveiros, mungubas, pequis, tantos...
Pensou então na extraordinária comunhão da natureza com o homem, na dura faina cotidiana da agricultura. Em como a terra solidária, cultivada, fertilizada e corrigida com carinho pelo agricultor, produzia todos os fatores essenciais para a vida: tudo! Não só os alimentos, mas o vestuário, o combustível, a moda, plantas aromáticas e medicinais. E em como o trabalho do homem compunha uma sublime relação com o ambiente.
Enquanto o rádio do carro tocava uma orquestra de cordas, sorriu suavemente ao lembrar que até a corda do arco do violino montado com madeira especial de floresta tropical era feita de crina de cavalo. E isso lhe trouxe à memória que, nessa noite, haveria uma festa de aniversário, regada a cerveja de cevada.
Por fim, a linda Ceres chegou ao escritório e mergulhou no trabalho: serviços de planejamento agropecuário, crédito, seguro, apoio à comercialização, tudo para a agricultura. Era o mínimo, pensou, o mínimo que podia fazer para honrar aqueles que garantiam sua vida, seu bem-estar e sua tranqüilidade.
Era o mínimo que podia fazer para homenagear esses heróis que, dia após dia, ano após ano, enfrentando a concorrência desleal dos subsídios dos países ricos, fazem do Brasil um grande exportador de alimentos e fibras, gerando empregos e riquezas para todos.
Era o mínimo!

(*) Roberto Rodrigues, 64, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Foi presidente da OCB e da Aliança Cooperativa Internacional.


Ceres é a deusa da agricultura na mitologia romana

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