Leo Farah chama de “verdadeiros heróis” os cooperativistas paranaenses
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Um dos maiores especialistas em desastres e liderança do Brasil, o capitão da reserva do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, Léo Farah, falou de confiança, do poder das decisões difíceis e da importância das pequenas missões do dia a dia, em uma palestra emocionante aos cooperativistas paranaenses reunidos no Encontro Estadual de 2024, desta sexta-feira (29/11), no Centro de Eventos Viasoft Experience, em Curitiba.
“Eu amo falar com cooperativa, pois se tem alguma instituição que mais parece com o Corpo de Bombeiros, são as cooperativas. Então, eu quero que cada um de vocês saiam daqui, hoje, com esse sentimento, pois cada um de vocês também é herói”, comenta o palestrante ao iniciar sua apresentação.
Em constante interação com o público, com falas, fotos e vídeos de arrancar suspiros e lágrimas da plateia, Farah começou falando de como ingressou na corporação. Segundo ele, como soldado, na primeira ocorrência chegou com toda vontade de atuar logo na missão mais difícil.
“Depois de nove meses de treinamento, a primeira missão foi um incêndio em residência, com vítima presa. Quando cheguei lá, me apresentei ao tenente da ocorrência. Pedi para subir e salvar a vítima, mas ele disse que não e que, como eu havia acabado de formar, ficaria no cone, contendo as pessoas e observando o atendimento”, relembra.
Na simples função “do cone”, ele teve a chance de ajudar – com um calçado, à mulher resgatada e, por isso, foi nominalmente reconhecido em uma carta posterior e, dessa forma, ganhou um pouco mais a confiança do comandante. Essa, como relatou Farah, foi a primeira grande lição.
“O comandante, depois de reunir a tropa e ler a carta de agradecimento da senhora, me pediu para esperar e me falou que ele tinha sempre duas lições. A primeira, era ‘faça o melhor possível, independente da sua função’. E a outra era que ‘se você quiser ganhar minha confiança, faça a pequena missão bem-feita. Assim, vou confiar em você para uma missão maior e, assim, você cresce e, a cada dia, e fica mais pronto para as maiores missões”, afirma.
Seguindo essas lições, Farah conta que deixou de ser a pessoa que ficava no cone para ser quem escolhia para a função. Segundo ele, entre as mais diversas missões dadas ao longo da carreira como bombeiro, a mais difícil veio em 2015. “Quando meu telefone toca e o comandante fala do rompimento da barragem em Mariana e, em uma escola, já tinha 300 crianças soterradas. A gente nunca está preparado para isso”, comenta.
Detalhando as dificuldades da missão, com imagens e áudios da época, Farah também lembrou das decisões difíceis que ele e a equipe tiveram que tomar sobre o estresse extremo daquele triste momento. “Lembro que pedi para voltar na primeira cidade, onde minha tropa havia ficado. Mais de 500 pessoas estavam lá sem ter por onde sair e a outra barragem iria romper. Não obriguei ninguém a ficar, mas decidi que ficaria. Naquele dia, talvez eu tenha presenciado o maior sentimento de cooperativismo que já vi. Eles entenderam que, se eu ficasse sozinho, não conseguira fazer nada. Mas se cada um ficasse e fizesse a sua parte, talvez conseguiríamos ficar e tirar mais pessoas”, comenta.
Ele diz que compara essa decisão àquelas pedras que são jogadas no lago e vão pingando, pois elas propagam por muito tempo e seguem ressoando. “Para que a gente consiga fazer a diferença, no Corpo de Bombeiros, precisamos uns dos outros. São duas as maneiras de construirmos a confiança: uma delas é com o tempo; outra é através do estresse, da dificuldade, dos momentos difíceis”, afirma.
Todos, quando passam por momentos difíceis, segundo o palestrante, fortalecem as relações de confiança no time. “Isso é o que fazemos nos bombeiros. Não temos tempo, temos que construir isso rápido. Isso fazemos um dos cursos mais difíceis da carreira: curso de operações em desastres. São 60 dias, 50 bombeiros entram, mas apenas de 10 a 15 que permanecem”, diz.
O curso surgiu em 2012 e, como destaca Farah, ressaltando a presença feminina na plateia de cooperativistas, já na 8ª edição, destina 10% das vagas para mulheres. “Até hoje nenhuma mulher desistiu. Todas completaram. O que aprendemos, nesse curso, é preparo mental, resiliência diante das dificuldades, mais que preparo físico. O curso seleciona aquelas pessoas que, diante da dificuldade, têm capacidade de continuar. É como muito de vocês vivem, por exemplo, no agro”, destaca o escritor.
Recomendando que, mesmo diante de qualquer dificuldade, não haja desistência, Farah recomenda que o foco permaneça na missão, seja ela qual for. “Toda missão é importante. A pequena missão que cada dia você faz contribiu para para fazer a diferença no mundo. A gente constrói histórias todos os dias, com nossas pequenas ações. Por isso, não podemos desistir. Todas as missões podem salvar vidas: aquele crédito que você liberou e o sonho que ajudou a realizar, por exemplo”, afirma.
Todos os dias, segundo Farah, há oportunidade de “salvamento”, se cada um fizer o que deve ser feito. “O verdadeiro sentido do cooperativismo é isso: que cada um faça sua parte para que o todo ganhe. Muitas vezes nos desanimamos, mas precisamos entender que se cada um fizer sua parte, ouvir seu coração, ouvir a Deus, a gente cumpre qualquer missão”, conclui.
Biografia
Atualmente, Farah é escritor e palestrante, mas participou, pelo Corpo de Bombeiros, dos resgates após deslizamentos de terra em Petrópolis/RJ (2013) e rompimentos de barragens em Itabirito/MG (2014), Mariana/MG (2015) e Brumadinho/MG (2019), além disso realizou ajuda humanitária durante ciclones em Moçambique (2019), também no Haiti e na Turquia.
Ele é especialista em Gestão de Desastres no Brasil, Chile, Japão, pela Unesco, e em Redução de Riscos, pela ONU, também mestre em Engenharia Geotécnica e em Engenharia de Desastres.
FOTOS: Reinaldo Reginato