ROBERTO RODRIGUES: Brasil pode ser a grande potência de um mercado mundial de etanol

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Criar um mercado global do etanol, produzido a partir da cana-de-açúcar, pode não só ajudar a diminuir os males do efeito estufa no planeta, como reduzir a miséria em países subdesenvolvidos e, de quebra, fazer do Brasil uma potência no cenário internacional. Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura (2003-2006), defende essas idéias, e com conhecimento de causa. Para ele, o país atingiu um grau de maturidade e pode se beneficiar da exportação de uma tecnologia 100% nacional, desenvolvida por aqui há mais de três décadas. Atuando como engenheiro agrônomo, fazendeiro ou político, Rodrigues sempre esteve ligado à agricultura e ao campo. Hoje, ele preside o recém-criado Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é coordenador da GV Agro, centro de agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, e co-preside a Comissão Interamericana de Etanol. Na semana passada, Roberto Rodrigues, que elegeu como prioridade pessoal e profissional a promoção do etanol brasileiro, falou à Gazeta do Povo.

O biocombustível é elemento chave da soberania estratégica e energética brasileira?

O Brasil tem hoje uma matriz energética na qual 46% é energia renovável. Boa parte disso se deve ao etanol. E o país é auto-suficiente em petróleo por causa dessa matriz energética. Então, sem dúvida nenhuma, ele tem importância para o país. Podemos ser grandes exportadores de etanol e, mais do que isso, produzir tecnologia e exportar o conhecimento acumulado nestes 35 anos de Pró-Álcool. Mais do que a questão interna, é fundamental que se crie um mercado mundial para o etanol. O que só ocorrerá se mais países tiverem produzindo. Por isso é interessante para o Brasil participar de parcerias com outros países, que viabilizem a produção de cana para o etanol em todo o mundo.

O que está sendo feito neste sentido?

Por meio da Comissão Interamericana de Etanol, disseminamos pelo continente a idéia do produto como um combustível alternativo ao petróleo - ou pelo menos aditivo a ele -, no sentido de aumentar o número de países que o produzem, tendo em vista a criação deste mercado.

 

Temos um acordo com os Estados Unidos que já estão desenvolvendo a produção de cana para o etanol na República Dominicana, no Haiti e em El Salvador. Mas pelo menos mais dez países da América Central e do Caribe estão interessados no assunto. Nós precisamos desenvolver um projeto mais amplo, negociar também com o Japão o plantio de cana em países asiáticos mais pobres, como Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Indonésia, Malásia, Filipinas. Precisamos negociar também com a Europa e desenvolver o etanol de cana também na África.

Há alguma relação entre a produção de biocombustíveis e a alta no preço dos alimentos, classificada pela ONU como um "tsunami silencioso"?

Não. Eu acho que isso é um erro de interpretação. Os alimentos estão com preço muito alto fundamentalmente por causa do desbalanceamento de um equilíbrio inédito na história recente entre a oferta e a demanda . Esta explodiu por causa do aumento de renda dos países emergentes e a oferta não acompanhou este crescimento, inclusive por questões ligadas ao clima. Por essa razão os estoques despencaram no mundo inteiro e os preços subiram. O custo de produção também aumentou: o petróleo triplicou de preço nos últimos anos e o fertilizante mais do que dobrou. Estes custos maiores se refletem no preço final. Um terceiro fator é a especulação financeira. Muita gente que estava especulando no mercado de fundos ou na área imobiliária, migrou para a área de alimentos com as promessas de bons resultados que estavam evidenciadas na análise desta conjuntura.

Mas e no caso do etanol de milho, nos Estados Unidos?

De fato, uma quinta parte da safra americana de milho foi transformada em etanol nos últimos dois anos. Com isso os estoques caíram, mas não acabaram. Os setores de mercado que foram afetados por isso ficaram contrariados nos seus resultados e se insurgiram contra o etanol de milho nos EUA. Influiu naquele país, mas em termos mundiais este é um fator menor. No entanto a versão de que o etanol é o responsável pelo [maior] preço dos alimentos acabou gerando essa besteira que foi dita em alguns lugares e que, infelizmente, foi repetida até por funcionários graduados da ONU.

Qual a diferença?

O álcool de cana brasileiro não concorre com nada de alimentos. O Brasil terá este ano a sua maior safra de cana e de grãos de todos os tempos - com 140 milhões de toneladas - e também a maior produção de carne da sua história. Uma cultura não atrapalha a outra. Não se pode atribuir ao etanol de cana qualquer responsabilidade sobre a inflação de alimentos.

No embate entre o biocombustível da cana-de-açúcar e o etanol do milho, quem ganha e quem perde?

Ganha quem tiver cabeça boa, inteligência e boa vontade. Quem tiver má-fé, ignorância e insensatez perde. O que o etanol pode produzir é uma mudança na geopolítica mundial, porque a agro-energia e os biocombustíveis de maneira geral têm que ser produzidos em regiões tropicais - porque uma questão é essencial: ter sol à vontade. Não é possível replicar aos biocombustíveis o mesmo mecanismo de subsídios que foi dado aos países desenvolvidos para a produção de alimentos no mundo contemporâneo. É preciso que haja uma estratégia global, na qual essas coisas sejam compreendidas de maneira definitiva. Se isso acontecer, o mundo todo ganhará. Só perderão aqueles tolos que se opuserem a um projeto que melhora a questão ambiental no mundo e gera emprego e renda nos países tropicais mais pobres.

O biocombustível da cana dá a chance ao Brasil de virar um global player, nesta redistribuição do poder geopolítico mundial?

Sim, desde que mais países também produzam, porque nunca vai haver uma commodity negociada em bolsas do mundo inteiro se houver só um país exportando. Ninguém vai ficar dependendo de um único país.

A intensificação da produção de álcool-etanol pode provocar o fenômeno do "deserto verde", levando a uma monocultura da cana-de-açúcar?

Não há essa hipótese. O Brasil tem hoje 72 milhões de hectares cultivados, dos quais apenas 5% são cultivados com cana-de-açúcar para a produção de etanol. Temos hoje 71 milhões de hectares ocupados por pastagens que podem ser transformadas em agricultura. A partir daí, podemos dobrar a área agricultável no Brasil. Mas destes, só 22 milhões dehectares, no limite, poderiam ser ocupados com cana. Isso é uma besteira.

 

O modelo do cultivo da cana é alvo de críticas no que diz respeito ao cumprimento dos direitos humanos e sociais dos trabalhadores. Sem generalizar, existem casos de produtores que mantêm trabalhadores em condições análogas à escravidão. Existe um abismo entre a retórica ecologicamente correta dos defensores dos biocombustívies e a realidade dos locais onde eles são produzidos?

Não, não existe. O que existe é uma insignificante minoria de produtores que não trabalha adequadamente com as questões sociais e ambientais, e que têm que ser punidos. A lei brasileira é suficiente para isso. O que não pode é haver, como você muito bem disse, uma generalização por causa de uma minoria. A cana-de-açúcar é uma atividade produtiva altamente conservadora do solo e é interessante do ponto de vista ambiental porque sequestra carbono. O etanol emite muito menos CO2 que os combustíveis fósseis. Não podemos admitir que este tipo de assertiva continue sendo repetida de forma criminosa.

Existe a desconfiança internacional de que a cana compete com a Amazônia e com o cerrado. Como um investidor estrangeiro acreditará que o país adota métodos sustentáveis na fabricação do etanol?

O estrangeiro tem que vir aqui, ver como funcionam as legislações no Brasil, e se adequar a elas. Se ele as cumprir, a questão está resolvida.

Qual o impacto dos subsídios norte-americanos e a sobretaxa para a entrada do etanol brasileiro nos mercados dos EUA e na Europa?

Este é um tema delicado e que exige uma negociação mais ampla do governo brasileiro com o governo dos Estados Unidos e dos países da União Européia. O Brasil tem um acordo de parceria curioso com os EUA: eles têm uma tarifa para o álcool brasileiro não entrar lá. Que tipo de acordo é esse, em que não podemos exportar para eles? É desequilibrado. Nós precisamos cuidar diplomaticamente desta questão. Por outro lado, os americanos prevêem uma demanda muito grande do álcool nos próximos anos. E eles seguramente não serão capazes de produzir o suficiente para atender toda a demanda que terão.

A minha impressão pessoal é a de que a demanda por álcool importado será tão grande que é quase uma fatalidade que essa tarifa venha a cair. No entanto, nós não podemos ficar aqui esperando de braços cruzados que a tarifa caia por causa da demanda interna deles. É preciso que haja um trabalho diplomático muito bem feito, via Itamaraty. (Entrevista publicada em 01/06/2008 no jornal Gazeta do Povo)

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