Ponto de Vista: O inferno tributário brasileiro
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Ives Gandra da Silva Martins (*)
Peter Gumbel, em reportagem para a "Time", edição européia
de 19 de julho de 2004 (p. 46/51), mostra como as sociedades do velho continente
estão pressionando seus governos a "escapar do inferno tributário",
título de seu estudo jornalístico. A tese que defende, à
luz das inúmeras entrevistas realizadas junto a governos, sociedades
não-governamentais e especialistas, é que os altos níveis
de tributação amarram o desenvolvimento e só um corte sensível
de tributos pode fazer novamente a economia deslanchar, - como, eu entendo,
ter ocorrido no período de explosão de consumo da 2ª metade
da década de 60, ou, mesmo, nos Estados Unidos, na década de 80,
quando houve forte redução de impostos, durante o Governo Reagan.
A própria economia americana, em 2004, começa a dar sinais sensíveis
de recuperação, estando no bojo desta recuperação
o corte de tributos.
Na Europa - onde estive em julho, proferindo cinco palestras, três em
Portugal e duas na Bélgica -, os governos já se mostram sensíveis
à queixa generalizada do europeu, de que paga excessivos tributos e que
o retorno é baixo, em serviços, para a sociedade, perdendo-se
os recursos arrecadados nos meandros da burocracia ineficiente e nos benefícios
dos detentores do poder. Nada muito diferente do que ocorre no Brasil, muito
embora o nível de qualidade dos serviços públicos prestados
na Europa seja incomensuravelmente melhor, mais abrangente que o daqueles prestados
em nosso país. Os problemas são os mesmos, as críticas
semelhantes, mas há indiscutível superioridade nos serviços
europeus, se comparados aos brasileiros.
Ocorre - e este aspecto é que espanta - que a carga tributária,
tão criticada na Europa, em média é inferior à carga
tributária brasileira. Tornando anuais os 40% (dados do Instituto Brasileiro
de Planejamento Tributário) do primeiro trimestre de 2004 - o governo
brasileiro continua batendo recordes de arrecadação -, a carga
brasileira é superior à carga dos seguintes países: Portugal
(34%); Espanha (35,6%); Suíça (31,3%); Irlanda (28%); Reino Unido
(35,9%); Islândia (36,7%); Holanda (39,3%); Alemanha (36,2%); República
Tcheca (39,2%); Hungria (37,7%); República Eslovaca (33,8%); Polônia
(34,3%); Grécia (34,8%); além das duas maiores economias do mundo,
ou seja Estados Unidos (28,9%) e Japão (27,3%).
Na Europa, a qualidade dos serviços é muito melhor
Perde, o Brasil, apenas para a França (44,2%), Itália (41,1 %),
Áustria (44,1%), Bélgica (46,2%), Dinamarca (49,4%), Noruega (43,1%),
Suécia (50,6%) e Finlândia (45,9%), países em que o cidadão,
ao nascer, quase não mais precisa preocupar-se com o futuro, visto que
escola, saúde, seguridade, tudo é garantido pelo governo, principalmente
nos países nórdicos. Aqui a carga é superior a de 15 países,
entre as quais se encontram as três maiores economias do mundo (EUA, Japão
e Alemanha) e inferior a oito países, entre os quais todos os países
nórdicos, onde o Estado tudo faz em benefício do cidadão,
no campo dos serviços públicos.
Percebe-se, pois, que, no Brasil, a carga tributária constitui um inferno
considerável superior ao denominado "inferno tributário europeu",
em que as sociedades já pressionam duramente os governos, para que baixem
o nível de imposição, com acenos governamentais de que
estão estudando a melhor maneira de fazê-lo. E, repito, em todos
estes países os serviços públicos são, consideravelmente,
melhores que no Brasil. O governo federal parece já ter percebido que
sua ineficiente burocracia e seu fantástico poder de tributar têm
prejudicado a competitividade nacional, sendo os dois tímidos sinais
de percepção deste problema uma réstia de esperança
outorgada ao escorchado contribuinte brasileiro. Refiro-me ao redutor de R$
100,00 no Imposto de Renda e a isenção de Cofins e PIS para alguns
insumos da cesta básica. Embora muito pouco, já é, todavia,
um primeiro titubeante passo para fugir do inferno tributário.
É que os governos da Federação Brasileira têm que
compreender que burocracia é útil para os burocratas, mas um fantástico
sorvedouro de tributos e um pesadelo para a sociedade, que não consegue
crescer, em face de considerável parte dos recursos que poderiam ser
aplicados na geração de empregos e no crescimento econômico
ser desperdiçada na multiplicação de cargos, funções
e exigências desnecessárias. Que movimento semelhante ao que começa
a ocorrer na Europa, seja iniciado pela pacífica sociedade brasileira,
nos últimos tempos reiteradamente pisoteada pela fantástica capacidade
confiscatória dos governos federativos da nação.
(*) Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito da Universidade
Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, presidente
do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio
do Estado de São Paulo