Opinião: Os transgênicos e o enorme potencial da agricultura brasileira
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Debates intermináveis atrasam incorporação do avanço
científico, afetam a competitividade da soja bra-sileira e obrigam
produtores a agir fora da lei Enquanto Estados Unidos e a vizinha Argentina permitiram que essa conquista da ciência fosse difun-dida amplamente, o Brasil preferiu esperar que à luz dos debates lhe fosse apontado o caminho. Claro que os debates são absolutamente necessários, sobretudo para esclarecer e oferecer oportuni-dade para que todos possam contribuir, mas já se passaram vários anos sem avanços importantes. Ob-serva-se a intransigência de alguns segmentos ao mesmo tempo em que, por outro lado, cansados de esperar por uma solução dentro da lei, produtores rurais adotam por conta e risco o cultivo de transgêni-cos - situação essa indesejável, haja vista o emprego de perigosas variedades clandestinas, consegui-das através de contrabando. Enquanto respeitados representantes da comunidade científica internacional posicionam-se favoráveis ao emprego de OGM, inclusive para consumo humano, e no Brasil insiste-se ainda na tese de que esses produtos podem fazer mal à saúde e precisam ser banidos, mais de 10% da safra brasileira de soja fo-ram cultivadas na safra recentemente colhida com sementes transgênicas. Há pouco tempo, sobressaltado diante da grande quantidade de soja geneticamente modificada no volume de produção brasileira e com o fim de evitar um enorme prejuízo à economia das regiões produ-toras e do próprio País - que é um dos principais exportadores mundiais -, o governo apressou-se a editar medida provisória autorizando sua comercialização, mas deixando desde já expressa a proibição aos produtores de repetir o cultivo desse tipo de soja na safra do próximo verão. Persiste assim o anacronismo brasileiro numa época em que já caem por terra, em quase todos os países, por falta de melhores argumentos, as restrições aos OGM. Se ninguém os tolerasse, o que seria da produção norte-americana e argentina? No vizinho país, onde 99% da soja plantada é geneticamente modificada, as lavouras dessa cultura expandem-se em ritmo formidável, ao mesmo tempo em que as exportações fluem sem dificuldades rumo aos principais mercados mundiais, incluindo a Europa. Quem compara o desempenho das exportações de farelo de soja entre brasileiros e argentinos, nos últimos anos, pode observar claramente que não há obstáculos para os transgênicos. Se em 1995 as exportações argentinas de farelo de soja totalizaram 6,887 milhões de toneladas, o volume saltou para 16,525 milhões de toneladas em 2002. Por sua vez, as exportações brasileiras de farelo de soja, que atingiram 11,563 milhões de toneladas em 1995, apresentaram uma tímida evolução para 12,517 mi-lhões de toneladas em 2002. Fica claro que a soja geneticamente modificada da Argentina está, ano após ano, abocanhando mercado da soja convencional do Brasil. Para os agricultores, o cultivo de soja transgênica é interessante porque significa melhor manejo, um controle de ervas mais eficaz e menor desembolso em relação às lavouras convencionais. Com custo inferior, a atividade torna-se mais competitiva em um mercado cada vez mais profissional e voraz. É exatamente isto que está tirando o sono dos produtores brasileiros. Os sojicultores do Paraná, para se ter idéia, têm um custo de produção 13% maior que o de seus colegas argentinos. Uma diferença dessas pode acabar significando a perda de novas fatias de mercado, abalando toda uma cadeia produtiva. Na Argentina, não se faz, como aqui, tanta polêmica sobre a "nocividade" dos alimentos transgênicos. Nos Estados Unidos, onde mais de 60% da soja são geneticamente modificados, este é um tema há muito superado. Do lado dos importadores, ninguém concorda em pagar um pouco mais para estimular os produtores brasileiros a continuar investindo na soja convencional. Sabedores de que custa menos produzir soja transgênica, o que eles querem, na verdade, é pagar menos por esse tipo de produto. No entanto, se decidisse produzir exclusivamente soja convencional, o Brasil seria obrigado a implantar um complexo sistema de rastreabilidade para exportar, a um custo elevado - que prevê controle da semente, inspe-ções de campo, recepção nos armazéns, supervisão de embarque/desembarque e exportação. Não há estímulo algum para continuar plantando soja convencional. Recentemente, uma região para-naense decidiu esmerar-se na produção desse tipo de soja, mas seus agricultores ficaram frustrados ao receber pelo seu produto o mesmo valor pago à soja gaúcha, onde 70% das lavouras dessa oleaginosa são geneticamente modificadas (à base, insista-se, de sementes contrabandeadas). Por sua vez, os ambientalistas precisariam ir um pouco mais fundo na questão e incluir, nos debates, alguns outros aspectos relacionados ao cultivo de OGMs. O primeiro deles, o próprio ambiente, haja vista que com tais lavouras diminui-se consideravelmente a necessidade de aplicação de agroquímicos, sempre muito poluidores. Isto reduziria, ao mesmo tempo, o tráfego de máquinas, a emissão de fumaça na atmosfera, o pisoteio das lavouras e a compactação do solo. Como toda novidade, valoriza-se em excesso, no Brasil, mitos de que os plantadores de transgênicos acabariam reféns de algumas poucas empresas fornecedoras de insumos, o que também não corres-ponde à realidade. A cada ano, cresce o número de fornecedores - a Embrapa, por exemplo, já teria uma dúzia de variedades de sementes de soja adaptadas às condições brasileiras -, mas o produtor que se sentir prejudicado pode, sem maiores dificuldades, voltar a cultivar soja convencional ou até investir no promissor segmento de orgânicos. Em resumo, o mercado para os transgênicos é cada vez maior e absolutamente irreversível. Hoje, pelo menos 51% de toda a soja cultivada no mundo já é geneticamente modificada e a tendência é que esse percentual continue crescendo nos próximos anos, o mesmo acontecendo - alguém duvida? - nas lavou-ras brasileiras, ainda que de forma ilegal. O futuro da humanidade, afinal, depende dos avanços da engenharia genética, esta uma das maiores descobertas que envolvem todos os seres vivos do planeta. A biotecnologia nos possibilita aumentar de forma quantitativa e qualitativa a oferta de alimentos, através da criação de maior resistência a pragas, doenças e até mesmo intempéries. Da mesma forma, presta valioso serviço à medicina ao promover alterações da qualidade nutricional de alimentos. Entre elas, o enriquecimento de óleos saturados e a produção de cereais e frutas direcionadas para a prevenção de males. Um exemplo, o arroz genetica-mente modificado que produz beta-caroteno, precursor da vitamina A. Voltando à realidade brasileira, é lamentável que o desenvolvimento científico continue recebendo, para prejuízo de toda uma sociedade, um tratamento tão discriminatório e passional. Os debates, cabe insistir, são primordiais para o aprimoramento de uma sociedade desde, é claro, que sejam produtivos e permitam enxergar um pouco além. O futuro que se desenha é a convivência pacífica de vários tipos de produtores em um mesmo mercado, divididos em setores específicos. Além dos OGMs, propriamente, teremos os plantadores de lavouras convencionais e também os já mencionados representantes dos produtos orgânicos, estes cada vez mais em voga. O que não podemos é continuar estáticos, perdendo tempo. Com 170 milhões de hectares de terras ainda a explorar e incorporar à agricultura, o Brasil, prestes a superar os Estados Unidos na produção de soja, continua na carcomida história do gigante adormecido. É preciso, pois, despertar, sacudir a poeira e seguir em frente. Diante de um potencial tão imenso, pre-cisamos de debates, sim, mas principalmente de ação. (*) Presidente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial |