Opinião: O Senado e a maratona da soja

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Celso Ming *

O comportamento do Senado em relação ao projeto de Lei de Biossegurança lembra o do maluco irlandês Cornelius Horan, que barrou o avanço do fundista Vanderlei Cordeiro de Lima na maratona de Atenas. O produtor brasileiro vai dando uma demonstração de eficiência e de capacidade técnica, mas, amarrado pelas divergências internas, o Senado faz de tudo para travar seu avanço.
Setembro já está aí e, com ele, o início da temporada de plantio. E, no entanto, o agricultor brasileiro mais uma vez não tem regra de jogo no campo dos produtos transgênicos porque nossos políticos preferem dar prioridades às suas picuinhas paroquiais, pouco se importando se a atividade agrícola está sendo ou não bloqueada pela incerteza.
Essa paralisia mostra quanto nossos senadores estão pouco identificados com o interesse da agricultura. Não levam nem um pouco em consideração que o produtor precisa planejar suas atividades. Sem essa lei, o agricultor não sabe se poderá ou não cultivar produtos transgênicos, que tipo de sementes encomendar e que insumos e defensivos agrícolas comprar.
No ano passado, essa incerteza prevaleceu até a última hora. O resultado disso foi grande sobra de sementes que, normalmente, levam tratamento à base de fungicidas.
Parte dessa sobra acabou contaminando carregamentos destinados à China e deu pretexto para que o importador chinês embargasse cargas inteiras do produto, num momento em que os preços estavam em baixa e seu interesse era reverter encomendas fechadas a cotações mais altas. Por aí se vê o quanto o preço da indefinição extravasa os gabinetes refrigerados de Brasília.
O projeto de Lei de Biossegurança não trata apenas de pesquisa, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM), também conhecidos como transgênicos. Alcança, também, a questão das células-tronco.
Por falta de uma política clara a respeito dos transgênicos, o presidente Lula já foi obrigado a editar duas medidas provisórias, uma para cada ano-safra do seu governo, com o objetivo de aprovar fatos consumados ilegais: a comercialização de soja transgênica obtida por meio de sementes contrabandeadas da Argentina.
Se o Senado continuar trabalhando sem sentido de urgência, mais uma medida provisória acabará sendo necessária para suprir outra omissão do Congresso.
Mas, desta vez, o governo terá de enfrentar novo fato consumado: o plantio irregular de algodão transgênico.
Não dá para dizer que o presidente Lula tenha feito sua parte. A maior omissão nessa matéria foi dele, na medida em que não foi capaz de dar força ao substitutivo do então líder do governo na Câmara, deputado federal Aldo Rebelo, incumbido de relatar o projeto de lei que tramitava na Câmara. Lula vacilou diante das pressões organizadas pelos ecofundamentalistas apoiados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O substitutivo Aldo Rebelo definia que essa matéria, inequivocamente científica, tinha de ser conduzida pelos cientistas reunidos na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Por falta de apoio do presidente Lula, a Câmara dos Deputados acabou aprovando o projeto original que transferia a decisão a respeito da liberação ou não do plantio de transgênicos para um conselho ministerial comandado pela Casa Civil. Pode-se imaginar com que competência técnica essa comissão de políticos seria chamada a decidir sobre questões fundamentalmente científicas.
Na Comissão de Educação do Senado, a decisão foi corrigir o erro e incorporar a parte mais importante do substitutivo do deputado Aldo Rebelo rejeitado na Câmara. O texto dispõe que a CTNBio volta a ter poder deliberativo a respeito da produção comercial e do consumo de transgênicos.
Se um esforço extra não for feito nesta semana, tudo ficará tarde demais, porque os políticos estarão desembarcando em suas bases para acompanhar a campanha eleitoral e, nessas condições, o projeto de lei, que terá de voltar à Câmara, não estará aprovado a tempo de orientar o plantio.
Se prevalecerem condições ideais, a safra de soja esperada para o ano que vem será de 60 milhões de toneladas, cerca de 27% a mais do que a deste ano.
Mas, como aconteceu na maratona de domingo, a omissão do Senado poderá tirar a medalha de ouro do agronegócio.
(*) Celso Ming - Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, em 31/08/04, seção economia.

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