Opinião: O governo errou a mão e ajuda a radicalizar o campo

  • Artigos em destaque na home: Nenhum

Do púlpito do Palácio do Planalto, aos milhares de brasileiros que foram assistir à posse do líder operário ao mais alto cargo da República, em 1º de janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu dois emocionados compromissos: nenhum brasileiro iria passar fome; e ele seria o presidente da reforma agrária. A primeira promessa patina numa política compensatória discutível; a segunda, numa série de equívocos que apenas radicalizaram ainda mais os conflitos no campo e não mostraram resultados palpáveis, traduzidos em aumento substancial do número de assentamentos.

O primeiro grande equívoco foi uma dubiedade: o presidente nomeou para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) o deputado Miguel Rossetto, com ligações históricas com o Movimento dos Sem-Terra, sem as verbas suficientes para fazer a política de assentamentos proposta. Rossetto tinha legitimidade para negociar com uma das partes do conflito; mas desdenhou a outra parte, os ruralistas. E ficou sem recursos para desafogar as pressões dos sem-terra.Com isso, o governo Lula apenas isolou Rossetto num dos prédios da Esplanada dos Ministérios, enquanto o MST fazia sua política de ocupações para pressionar pela execução efetiva de assentamentos. A inação do governo alimentou o MST Este mês, o governo inclinou-se para um novo e potencialmente grave equívoco. O Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou a intenção de aumentar as exigências de produtividade para fim de reforma agrária. Os últimos índices foram estabelecidos em 1980 pelo Lucra, com base no Censo Agropecuário de 1975. O argumento para a atualização é o de que a defasagem entre a produtividade exigida e a real, decorrente da incorporação de avanços tecnológicos no campo, é muito grande e tem impedido a desapropriação de propriedades efetivamente improdutivas.

As evidências, no entanto, são de que o MDA forçou a mão nos índices exigidos. O ministério sugere uma produtividade mínima de 2,9 mil quilos por hectare, no caso da soja - as propriedades com produtividade abaixo disso estariam sujeitas à desapropriação para reforma agrária. Ocorre que o Mato Grosso, maior produtor do Brasil, tem uma produtividade média de 2,981 mil quilos por hectare; o segundo maior produtor, o Paraná, produziu, em média, nos últimos cinco anos, 2,822 mil; e Goiás, o terceiro produtor, 2,714 mil quilos.A proposta do MDA coloca sob risco, portanto, a maior parte das propriedades que produzem soja no país, um dos principais produtos de nossa pauta de exportações.No caso do milho, a situação não é melhor. O MDA quer exigir uma produtividade de 4,2 mil quilos por hectare. Apenas o Paraná atenderia essas exigências, já que teve uma produtividade média de 4,443 mil quilos. Os produtores de Minas, segundo maior do país, seriam varridos do mapa, já que têm uma produtividade média de 4,1 13 mil quilos.

Além de um erro técnico, o governo cometeu um erro político. A revisão dos critérios de produtividade foi anunciada no momento em que a estiagem no Centro-Sul provocou uma generalizada quebra de safra. Isso é alimentar uma inquietação dupla e desnecessária nos produtores rurais. A medida e o seu momento radicalizam as posições dos proprietários de terras.Historicamente, os processos de desapropriação de terras improdutivas, para fins de reforma agrária, são morosos e têm dificuldades de tramitação na esfera judicial. Mas é preciso descaracterizar a reforma agrária como uma demanda unicamente judicial e tratá-la como uma política pública.

Uma reforma agrária eficiente, numa situação de conflito, deve entender o problema em sua totalidade. A questão da terra é um problema social e político - e torna-se uma questão jurídica, na medida em que envolve conceitos distintos de direito à propriedade privada. O poder público deve ser capaz de agir política e administrativamente para dirimir conflitos, de forma a conseguir efetivar uma política pública. Em São Paulo, no seu primeiro governo, Mário Covas esvaziou o MST, na área de maior conflito do Estado, o Pontal do Paranapanema, produzindo um estoque de assentamentos que praticamente esgotou a demanda do movimento. Fez isso via negociação com as partes envolvidas, o MST e os ruralistas. Nenhum desses acordos empacou na justiça. A negociação neutralizou a UDR do Estado, até aquele momento a mais radical do país.

(Publicado no jornal Valor Econômico, em 20 de abril de 2005)

Conteúdos Relacionados