OPINIÃO: O Brasil à mercê da biopirataria

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Por Osmar Dias (*)

O descaso do governo em regulamentar o projeto sobre acesso aos recursos genéticos, só estimula a biopirataria e a evasão do nosso enorme patrimônio de biodiversidade. É um crime contra a nossa soberania Qualquer cidadão que tenha a mínima consciência ecológica e preocupação com o meio ambiente no país precisa saber que o governo federal está cometendo um crime de lesa-pátria, cujos prejuízos a médio e longo prazo são imensuráveis. Trata-se da falta de regulamentação da legislação sobre o acesso aos nossos recursos genéticos, à utilização da nossa flora e fauna. Todos sabem que a biodiversidade brasileira é a maior do planeta. Mas todo nosso patrimônio vegetal e animal está extremamente ameaçado, à mercê de cidadãos inescrupulosos de outros países, que aqui chegam, colhem partes de nossas plantas e animais, desenvolvem pesquisas em seus lugares de origem e patenteiam suas descobertas.
E nós, brasileiros, que deveríamos receber os royalties sobre estes produtos, acabamos tendo que pagá-los, porque o governo repete o comportamento da gestão anterior, que estancou o debate parlamentar e produziu um texto que até hoje não foi enviado ao Congresso Nacional.
A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, foi o marco para as novas abordagens legislativas, políticas e econômicas sobre o tema do uso e proteção da biodiversidade. Desse evento nasceram numerosas atividades públicas, individuais e coletivas em relação à diversidade biológica, que foi definida como tema de preocupação central da humanidade a partir de então.
No Brasil, em 1995, a então senadora Marina Silva apresentou um projeto de lei que instalou o debate no âmbito do Poder Legislativo. Coube a mim, a honra de ter sido o relator desse projeto e minha primeira preocupação foi a de ampliar o debate junto à sociedade, da maneira mais democrática possível. Às vezes em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e outras agências, outras isoladamente, promovemos reuniões e audiências públicas em diversas regiões do País.
Apresentei um projeto substitutivo, que tramitou entre 1995 e 1998, foi aprovado e até hoje se encontra engavetado na Câmara dos Deputados. Basicamente, nosso substitutivo representou um texto inovador, sistematizou as principais idéias que estavam em discussão naquela época. Tomamos uma posição definida sobre a titularidade dos recursos genéticos, fazendo prevalecer o interesse público e definimos as atribuições e obrigações da autoridade competente para gerenciar o acesso a esses recursos. Estipulamos os principais requisitos contratuais para as solicitações de acesso. Principiamos a desenhar o sistema sui generis de proteção dos direitos das comunidades locais e indígenas. Estabelecemos as cláusulas para a transferência de tecnologia e biotecnologia. E configuramos o sistema de sanções administrativas e penais para as infrações correlatas.
Esse projeto de lei foi aprovado no Senado Federal em novembro de 1998. Nesse mesmo ano, outros dois projetos foram apresentados, um na Câmara dos Deputados, do então deputado Jaques Wagner e outro do Poder Executivo. O governo ainda apresentou uma proposta de emenda à Constituição, que adotava uma postura de maior radicalidade, ao instituir o patrimônio genético como bem da União. Os três projetos de lei estavam na Câmara dos Deputados, onde foi criada uma comissão especial para apreciá-los em conjunto.
Todo esse cenário, que seria democraticamente o esperado, ficou no campo da hipótese com a edição da Medida Provisória 2.052, em junho de 2000, pelo governo, que criou um regime de acesso aos recursos genéticos nacionais. Em agosto de 2001, a MP teve a edição definitiva, sob o número 2.186, que está em vigor até hoje. Passados quase quatro anos da edição da medida, ela permanece como a regulamentação do acesso aos recursos genéticos no país, sem a devida apreciação pelo Congresso Nacional.
Todas as idéias e negociações, de imenso potencial para o País, estão dependendo da definição sobre a legislação. A medida provisória foi editada em junho de 2000, atropelando quatro propostas de lei que eram discutidas no Congresso. Entre os problemas ao longo desse período, os atrasos e embargos na área de pesquisa podem ser considerados os mais graves. Durante algum tempo, em vista dessa indefinição, toda a bioprospecção e o intercâmbio biológico do país com o exterior ficou parado. Por exemplo, o programa dirigido por Drauzio Varella, em convênio com o Instituto Nacional do Câncer americano, assinado em 1997, para a criação de um banco de extratos de plantas para testar células tumorais e bactérias ultra-resistentes, foi paralisado.
O desafio é encontrar o equilíbrio nessa regulamentação. Precisamos desenvolver os usos dos materiais genéticos no Brasil, incorporando tecnologias e capitais, sem, no entanto estabelecer princípios xenófobos e contrários ao desenvolvimento científico. A atração desses investimentos dependerá de uma legislação clara, explícita, que estabeleça as regras dos contratos e a proteção de cada direito envolvido. Não se quer uma legislação entreguista, mas apenas que dê segurança jurídica às parcerias que começam a se desenvolver. Se isso não acontecer logo, nosso imenso patrimônio genético passará, inevitavelmente, para o controle de nações mais ricas, desenvolvidas e onde há leis que são criadas e efetivamente praticadas.

(*) Senador do Paraná e líder do PDT no Senado

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