OPINIÃO: Incoerência nas negociações comerciais

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Por Hélio Tollini

Notícias recentes informam que o Ministro Furlan estará em Washington e negociará compensações dos Estados Unidos. Seriam compensações em troca do abandono, pelo Brasil, do contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio, OMC. As notícias não dizem se a iniciativa é pessoal ou do governo.
Se for verdade, tal fato gera grande preocupação entre os produtores de algodão. O governo estaria abandonando o contencioso do algodão e a vitória já conquistada na OMC. Negociação nessa área atende aos interesses dos Estados Unidos, preocupados com as recomendações da OMC e interessados em se livrarem da incomoda ameaça de retaliação pelo Brasil.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, MDIC, estaria se transformando no MIC, Ministério da Indústria e Comércio. Negociar compensações, como a anunciada, significa atender interesses de setores da economia, mas não o da Agricultura brasileira. Busca vantagens comerciais de curto prazo e mostra despreocupação com o processo de desenvolvimento de mais longo prazo. O MDIC não ajudou no contencioso do algodão e agora pretende interferir nas negociações em andamento, sempre realizadas em consulta com os produtores.

A falta de compromisso do atual MDIC com os produtores de algodão preocupa. Começou por deixar morrer o Fórum da cadeia Têxtil, que funcionou bem até o final de 2002. Deseja agora reiniciar os trabalhos desse Fórum, após o Ministério da Agricultura ter instalado a Câmara Setorial do Algodão e Derivados.

Dizer que vai negociar compensações é informar aos Estados Unidos, aos países Africanos produtores de algodão, que tanto admiram o Brasil pela vitória na OMC, e ao mundo algodoeiro, que nada do que o Brasil fez até agora era para valer. O interesse era apenas conseguir migalhas de favores comerciais dos Estados Unidos para setores que querem exportar um pouco mais. O prejuízo não será apenas dos produtores de algodão. Todo o processo de desenvolvimento da agricultura brasileira será negativamente afetado.

O que parece esperteza e oportunismo negociador se transformará em vergonha para o Brasil, em que tantos, no mundo, acreditaram ser um dos líderes dos países em desenvolvimento. Esses são países que querem um mercado internacional de produtos agrícolas livre dos subsídios imensos e das distorções causadas pelos países ricos. Só no caso do algodão, os Estados Unidos distribuem mais de três bilhões de dólares por ano para seus produtores e comerciantes. Com certeza, nada custará dar algumas vantagens para os setores que o Ministro Furlan quer beneficiar. Essa é uma negociação em que um acordo será fácil.

Se a missão do Ministro foi em nome do governo, não será possível acreditar em mais nada. Entrar em parcerias com o governo não será seguro. Se foi por iniciativa própria, independente do resto do governo, esperamos que a missão do Ministro Furlan seja desautorizada. Os produtores de algodão do Brasil, após o esforço para cooperar com o governo na ação disciplinadora do comércio internacional, não aceitam que um Ministério que nada ajudou no contencioso venha agora jogar no lixo todo o trabalho de argumentação na OMC. O MDIC deve buscar nas negociações gerais da Rodada de Doha as vantagens que quer obter para os setores com os quais se preocupa. Não deve interferir no trabalho até agora bem feito do governo. O agrado aos Estados Unidos será imenso, mas trará pequenos benefícios pecuniários e grande prejuízo político no palco internacional.

(*) Hélio Tollini é Ph.D. em Economia e Diretor Executivo da Associação Brasileira de Produtores de Algodão-Abrapa

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