Por Antônio Delfim Netto (*)
Na discussão
sobre a reforma tributária tem emergido um argumento ridículo.
Como a reforma tributária afeta os Estados e, segundo o art. 46
da Constituição, o "Senado Federal compõe-se
de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o
princípio majoritário", caberia a ele a formulação
da reforma. Trata-se de falácia evidente, pois a reforma tributária
não pode ser feita pelos Estados ou para os Estados. O que se espera
é que ela seja feita para melhorar a eficiência do sistema
produtivo e para diminuir o peso asfixiante que a carga tributária
exerce sobre os cidadãos desvalidos, melhorando sua qualidade e
a equidade.
Não chegaria a dizer que ela deveria ser feita "contra a União,
os Estados e os municípios" uma vez que estes quase nada têm
feito para controlar as suas despesas e sempre encontram a solução
simples de aumentar os impostos. Mas, certamente, não é
para eles! Por quê? Porque eles representam apenas uma face do problema.
A outra face é o peso que seu desperdício e sua fúria
arrecadatória exercem sobre o cidadão. Com falácia
simétrica à anterior, poderíamos dizer (art. 45 da
Constituição) que, como "a Câmara dos Deputados
compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional,
em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal",
é a ela que caberia defender o cidadão-contribuinte..
O projeto de reforma tributária do governo tinha algumas virtudes
e alguns graves defeitos. As primeiras foram relativizadas, e os segundos,
agravados na Câmara pela ação (legítima, mas
insensata) de Estados e municípios. Continuamos convencidos de
que a imprudência do governo Lula de reabrir a discussão
sobre a discriminação tributária, na esperança
de que todos colocariam o seu "patriotismo acima dos interesses individuais",
acabou produzindo uma reforma do ICMS inaceitável. Ele transforma
em "direito adquirido" alguns subsídios que distorcem
a geometria do espaço econômico, reduzindo a produtividade
global da economia. Não se trata aqui de grandes projetos com imensas
cadeias produtivas que, por si sós, alteram aquela geometria, equilibrando
o desenvolvimento regional, como é o caso de uma refinaria, de
uma siderúrgica ou da indústria automobilística.
Não é o caso, também, da Zona Franca de Manaus, que,
com todos os seus inconvenientes, desenvolveu uma cultura industrial que
provavelmente deveria ser imitada com a instalação de mais
zonas de exportação. É impossível negar que,
no lado do ativo da zona franca, temos de creditar um aumento da integração
nacional. É essa variável que frequentemente falta nos "modelos"
que apontam apenas para os seus inconvenientes alocativos.
Trata-se dos milhares de pequenos subsídios que só deveriam
ser distribuídos com superávits orçamentários
que o Estado mais bem administrado poderia conceder legitimamente, transparentemente,
no Orçamento anual. Isso até emularia a honesta competição
entre os Estados. É exatamente isso o que não faz o conchavo
fazendário...
(*) Antonio Delfim Netto (artigo publicado no Jornal Folha de SP - 08.10.2003.(Este endereço para e-mail está protegido contra spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.)
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