Opinião: Coordenação e Foco na Política Comercial
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Por Marcos Sawaya Jank
Quem
acompanha regularmente as declarações de líderes do governo
e do setor privado e a diversidade de opiniões da mídia certamente
ficará confuso quanto aos rumos e resultados reais da política
comercial brasileira. O problema começa com a freqüente confusão
entre política externa, política comercial e comércio.
Não raro se tende a apresentar os bons resultados do comércio
como conseqüência direta da política externa ou da política
comercial. Só que as coisas não são bem assim. Comércio
internacional é uma atividade que depende essencialmente das ações
das empresas privadas (redução de custos, diferenciação,
diversificação de produtos e mercados, etc.), cabendo ao setor
público a correção dos fundamentos macroeconômicos
(câmbio e juros reais) e o apoio na infra-estrutura de suporte à
exportação.
A política externa, por sua vez, é função primordial
do governo, cuidando da ampliação das nossas relações
diplomáticas mundo afora - de forma a facilitar os fluxos de bens, pessoas,
etc. - e da defesa de valores universais como soberania, paz, democracia, meio
ambiente e outros. Já a política comercial é apenas um
ramo da política externa que cuida dos problemas que derivam de discriminações
recebidas e impostas por países: tarifas, cotas de importação,
barreiras não-tarifárias, subsídios, dumping, regulamentações
de serviços, investimentos, propriedade intelectual, etc. Ora, ao contrário
da política externa e do comércio, que devem ser constantes e
universais, a política comercial é uma ação de longo
prazo que exige foco e intensa coordenação.
Foco é necessário por conta da explosão de formatos alternativos
de negociação: bilaterais, regionais, multilaterais, etc. Entendo
que no caso da política comercial brasileira se devem priorizar soluções
multilaterais, em que barganhas e resultados possíveis são mais
amplos e relevantes, minimizando o problema da discriminação.
A segunda opção são acordos regionais envolvendo grande
número de países, como a Alca e o acordo UE-Mercosul, cujas negociações,
infelizmente, ainda não produziram um equilíbrio entre as concessões
oferecidas e recebidas. A última e pior opção são
os acordos bilaterais, que na maioria dos exemplos recentes criam pouco comércio
e têm características altamente discriminatórias.
Ocorre que as características da nossa pauta de comércio, os ganhos
em jogo, a diversidade e importância relativa dos países e a limitação
de tempo e recursos humanos nos obrigam a adotar uma política comercial
altamente seletiva. Nada contra realizar ações amplas de política
externa (governo) e de comércio (setor privado) nos quatro cantos do
planeta. No caso da política comercial, contudo, me parece fundamental
concluir acordos com brevidade e foco com países que gerem aumentos efetivos
de comércio e investimentos totais. Apenas um breve comentário
em relação ao comércio Sul-Sul: com a exceção
da América do Sul, região que merece prioridade por razões
históricas e geográficas óbvias, os países que mais
atendem aos requisitos de seletividade acima apontados curiosamente se situam
física e mentalmente no Norte - EUA, UE, China, Rússia, Índia
e México, só para citar alguns.
Coordenação se faz necessária por conta da complexidade
dos temas em negociação e da dificuldade de definir os objetivos
e estratégias de longo prazo, não apenas do Brasil, mas também
do Mercosul. Hoje, a estratégia do País é definida pelo
governo com base em consultas esporádicas, e quase sempre simplistas,
à chamada "sociedade civil", nas quais representantes dos grupos
de interesse mais organizados colocam os seus limites em termos de concessões
possíveis e/ou demandas desejáveis nos temas que lhes são
mais sensíveis.
A partir dessas posições individuais, com características
muitas vezes pessoais, se procura estabelecer o consenso nacional, que, em seguida,
é renegociado no âmbito do Mercosul. O diálogo entre governo
e "sociedade civil" tem sido irregular, superficial e quase sempre
orientado para demandas imediatistas de negociação. Há
uma enorme carência de pesquisas quantitativas, realizadas com base em
conhecimentos profundos de economia e direito internacional, que apontem com
maior clareza os limites do possível e do desejável para cada
tema em negociação, o interesse nacional de longo prazo e as melhores
barganhas a serem realizadas. Não estou aqui me referindo a técnicas
e táticas de negociação, já que o Brasil conta com
um corpo diplomático altamente qualificado e mundialmente respeitado
por sua habilidade nas mesas de negociação. Na realidade, a coordenação
faz-se necessária na etapa anterior à da negociação
propriamente dita, qual seja, a produção de pesquisas contínuas
de qualidade e a definição de mecanismos constantes, densos e
produtivos de análise dos diferentes temas e de relacionamento dos agentes
envolvidos, muito além da exposição oral da conjuntura
da última negociação ou do pedido de melhoria da oferta
tarifária dos setores.
O balanço de 2004 mostra claramente que os melhores resultados da política
comercial brasileira nasceram de ações onde houve foco e coordenação.
Os contenciosos do algodão e do açúcar só foram
possíveis porque o tema foi tratado com obstinação a partir
de 2001 - principalmente pelo Ministério da Agricultura -, a coordenação
intragoverno funcionou adequadamente no âmbito da Camex e houve intensa
coordenação com empresários que forneceram os recursos
financeiros e boa parte do conhecimento técnico. No atual governo, o
melhor exemplo de foco e coordenação foi a ação
bem-sucedida do Brasil nas negociações agrícolas da OMC,
na qual se aliou uma ação diplomática extraordinária
do Itamaraty na montagem do G-20 com a participação ativa de outros
ministérios e setor privado, azeitada por esforços consideráveis
de pesquisa para entender cada item da agenda negociadora. O futuro da nossa
inserção internacional é assunto sério demais para
ser tratado por pessoas ou instituições isoladas. Política
comercial é um tema que empolga uma parcela crescente de organizações
da sociedade brasileira. O momento crucial que vivermos nas várias frentes
de negociação, em 2005, exige maior foco e coordenação
de instituições e organizações. As gerações
futuras agradecerão.