Por
Marcos S. Jank
É comum
haver uma certa confusão entre o curto e o longo prazo nas questões
de comércio internacional. A taxa de câmbio é o típico
fator de curto prazo, cuja volatilidade pode rapidamente construir ou
destruir competitividade. Uma desvalorização real da moeda
torna os produtos exportados mais competitivos e dificulta as importações.
O inverso ocorre com a valorização da moeda. Não
é para menos que muitos empresários têm reclamado
da perversa combinação da elevada taxa de juros com uma
crescente apreciação do real, um filme de final triste já
visto em passado não muito distante. Para alguns economistas, a
solução para a atual sobrevalorização do real
deveria vir do lado comercial, com uma nova abertura da economia, unilateral
e acelerada. Na minha opinião, este seria o remédio errado
para a velha doença brasileira do baixo crescimento gerado pelos
desequilíbrios nas áreas fiscal e monetária.
Os países que mais têm crescido no mundo são os que
conseguiram combinar abertura econômica com longos períodos
de inflação sob controle, baixo custo de capital e uma moeda
relativamente desvalorizada, cujo resultado são altos níveis
de investimento, elevados volumes de comércio exterior nos dois
sentidos (exportações e importações) e o conseqüente
aumento da produtividade das empresas.
Negociações internacionais são oportunidades de médio
e longo prazo que os países podem utilizar para melhorar a sua
inserção internacional. Feita de forma equilibrada e paulatina,
uma abertura comercial "negociada" pode gerar:
- Produtos melhores e mais baratos para os consumidores;
- Bens de capital e intermediários mais baratos para a modernização
das indústrias;
- Maior acesso para os setores nacionais que enfrentam elevadas
proteções de fronteiras e concorrem com pesados subsídios
de outros países;
- Indução de mudanças institucionais e reformas
das políticas públicas (tributária, previdenciária,
trabalhista, etc.).
O problema das negociações é que os países
usam toda sorte de artimanhas para abrir os setores em que são
mais eficientes e manter fechados aqueles em que são menos eficientes,
num jogo que exige enorme paciência para obter as reciprocidades
desejáveis. A maioria dos especialistas acredita que a Organização
Mundial do Comércio (OMC) é a negociação que
produziria maiores ganhos e barganhas. Até os anos 1990, o modelo
de substituição das importações pôs
o Brasil numa posição defensiva nas negociações
internacionais. No final da década de 90, alguns setores exportadores,
que enfrentam enormes barreiras e subsídios, descobriram que as
negociações da OMC seriam uma oportunidade de ouro para
melhorar as regras do jogo do comércio internacional. Contenciosos,
envolvimento ativo de negociadores e empresários e esforços
de pesquisa deram ao País uma posição de liderança
nas negociações da Rodada de Doha.
A reunião de Celso Amorim com Pascal Lamy (diretor-geral da OMC),
Robert Portman (EUA) e Peter Mandelson (União Européia -
UE), no Copacabana Palace, na semana passada, mostrou o protagonismo e
a responsabilidade que o Brasil assumiu na rodada. Lamy afirmou sucessivas
vezes que o sucesso de Doha depende, hoje, de movimentos simultâneos
dos EUA (redução dos subsídios agrícolas),
da UE (maior abertura do seu mercado agrícola) e do G-20 (redução
de tarifas industriais). Acredita-se que tais movimentos gerariam a "amarração
central" do acordo, seguida de outros nós laterais que precisam
ser atados com os demais agrupamentos de países. Obviamente, não
tem sido nada fácil montar o nó central, já que até
aqui nenhum país mostrou disposição efetiva de cortar
tarifas e subsídios além dos níveis correntes de
proteção.
Como a agricultura ficou de fora do sistema multilateral de comércio
durante quase 50 anos, ainda há um claro descompasso entre este
setor e a área de bens manufaturados. Tal fato justifica a insistência
brasileira em oferecer reduções concretas nas tarifas industriais
somente se forem obtidos ganhos de acesso e redução de subsídios
para as principais commodities agroindustriais exportadas pelo País.
Neste momento, governo e setor privado já têm uma visão
geral do que se espera dos demais membros em agricultura e dos limites
gerais das concessões que seriam feitas em matéria de abertura
das tarifas industriais brasileiras. Felizmente, nos últimos tempos
se trocou a percepção simplória de que indústria
e agricultura estariam em campos opostos - com a primeira "pagando"
pelos ganhos da segunda - pela visão mais moderna de que a agricultura
é, na verdade, uma indústria de insumos e produtos agropecuários,
alimentos e bioenergia. Há, também, uma percepção
generalizada de que a OMC é um organismo de importância capital
para potências médias como o Brasil, não só
pela necessidade primordial de corrigir as assimetrias históricas
entre a agricultura e a indústria, mas ainda pelas flexibilidades
que ela oferece aos países em desenvolvimento.
Neste momento, é preciso investir no conhecimento detalhado do
"paralelismo" entre agricultura e indústria, que deveria
ser mensurado com precisão em duas dimensões distintas.
A primeira, de ordem puramente mercantilista, é a análise
da simetria de concessões e reciprocidades que poderiam ser feitas,
passo a passo. A segunda, de ordem mais geral, é a análise
de modelos econômicos mais amplos que mostrem com clareza os benefícios
e custos de cada cenário das negociações. Esse era
o objetivo inicial do seminário realizado na Fiesp em 10 de março,
mas que, infelizmente, resvalou para uma discussão infrutífera
e fora de hora sobre abertura unilateral imediata da economia e outros
temas conjunturais.
A reunião com Lamy, organizada por Paulo Skaf na Fiesp, na sexta-feira,
mostrou que o setor privado brasileiro está tecnicamente bem preparado,
alinhado nos seus interesses de longo prazo e consciente das responsabilidades
do País em relação ao futuro da OMC, apesar das constantes
agruras do curto prazo.
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