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2005: ano difícil para o agronegócio

Antônio M. Buainain*

Há alguns anos o agronegócio vem navegando em céu de brigadeiro. Nuvens e turbulências, sempre presentes na atmosfera e na economia, não atrapalharam a trajetória do setor, que expandiu a produção, gerou renda, divisas, postos de trabalho e desta forma contribuiu para a retomada de crescimento da economia brasileira. O ceticismo do passado transformou-se em euforia, amplificada pela imprensa em reportagens sobre o sucesso do agronegócio, a riqueza e o padrão de consumo de alguns produtores. Uma visita ao campo e uma breve conversa com os agricultores revelam que a euforia já foi substituída por preocupação e até mesmo pessimismo em relação ao futuro imediato.

Foi esta a mensagem de um grupo de produtores da região de Maracaju, importante região produtora do Estado de Mato Grosso do Sul: "2005 será um ano difícil e quem não estiver bem preparado não vai atravessar a temporada de chuvas e trovoadas que temos pela frente. " Em todo o mundo os agricultores "choram" independentemente de estarem com a barriga cheia ou vazia. No momento atual a preocupação não pode ser confundida com mera choradeira. Os últimos cinco anos foram de intensa capitalização do setor. Rentabilidade elevada e incentivos governamentais permitiram a renovação de equipamentos, ampliação da capacidade de armazenagem, aplicação de novas tecnologias e métodos de gestão da produção. Do tripé que sustentou a competitividade do setor - preço internacional, taxa de câmbio favoráveis e eficiência microeconômica - resta apenas a eficiência micro. Em 2005 os agricultores enfrentarão um cenário difícil.

Depois de anos de alta os preços das principais commodities retomam os patamares históricos. Na safra 2003/2004, a soja e milho foram comercializados em Maracaju a até R$ 50,00 e R$ 18,00 por saca de 60 kg. Hoje a soja é cotada a R$ 23,00 e o milho vendido a R$ 12,30. No mercado futuro para março de 2005, momento inicial da colheita brasileira, a soja é cotada a US$ 5,14 por bushel, contra US$ 10 praticados até maio de 2004. Ao lado da queda dos preços, que atinge também o café e algodão, a taxa de câmbio valorizou-se, passando do nível de R$ 3,10 por dólar vigente na safra anterior para a faixa de US$ 2,85. Nada indica que o Bacen vá alterar sua atitude diante do câmbio, cuja valorização é mais reflexo da boa fase da economia do que de intervenção explícita para conter as pressões inflacionárias. Na melhor das hipóteses pode-se esperar um desestímulo à continuidade da valorização, que poderia sim continuar caso se confirme, como deve ocorrer, a consistência do ciclo de crescimento.

Os agricultores sabem que não podem apostar em desvalorizações cambiais. "Preço baixo e câmbio valorizado é uma mistura mais potente e destrutiva que coquetel Molotov", dizem. Cortar custos? Difícil. Fertilizante de uso geral na região, comprado a R$ 720,00 a tonelada na safra passada, está sendo vendido a R$ 920,00; a semente de soja aumentou de R$ 50,00 para R$ 61,00 a saca de 50 kg, e a de milho, de R$ 100,00 para R$ 140,00. O óleo diesel adquirido a granel passou de R$ 1,38 para R$ 1,64 litro. A difusão da ferrugem asiática implicará elevação em torno de 10% dos gastos com químicos. No total, os agricultores estimam custos de produção nesta safra pelo menos 20% mais altos. "Já fizemos a maior parte do ajuste produtivo e não tem muita gordura para queimar. Agora é cortar no próprio músculo, e isto é fatal na agricultura: o rendimento cai, a planta fica debilitada, os riscos aumentam e com isso a situação só pode piorar. As condições de financiamento também não ajudam. O crédito de investimento passou de 8,75% a. a. para 12,75%; o mix de custeio (40% oficial a 8,75% a. a. e complementar via mercado) implicou elevação do custeio para 15% a. a.

O atraso na liberação dos recursos também é um problema, com reflexos nos custos e eficiência. Apesar da propalada prioridade ao setor, os recursos adicionais ainda não chegaram a Maracaju. "Devem estar viajando pelas estradas esburacadas. " Como o nível de endividamento é elevado, o otimismo de um ano atrás se transformou em temor. E a solução? Não há respostas, mas sabem que não é imediata nem está no governo, do qual não esperam muito. "O governo pode ajudar apenas um pouco, mas em compensação pode atrapalhar muito. Temos de nos adaptar ao novo contexto e só vamos descobrir como na prática. Mas muitos não vão sobreviver. " ·

(*) Antônio Márcio Buainain é professor assistente e doutor do Instituto de Economia da Unicamp (Este endereço para e-mail está protegido contra spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.). ·Veiculado no jornal O Estado de São Paulo no dia 09/11/04

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