OMC torna-se 'máquina de guerra' dos brasileiros

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Açúcar e algodão são combates contra os subsídios de países ricos

(Laurence Caramel – Jornal Le Monde)

Para muitos países em desenvolvimento, a Organização Mundial do Comércio (OMC) continua sendo até hoje uma instituição pouco transparente a serviço dos países ricos. Mas este não é o caso dos brasileiros. Eles dominam como poucos os ritos e os procedimentos desta entidade, e demonstraram em várias oportunidades que eles sabiam tirar vantagens das suas regras. Desde a fundação da OMC, em 1995, e da criação do seu órgão de resolução das divergências, encarregado de solucionar os contenciosos entre países, o Brasil é o país do Sul que apresentou a maior quantidade de queixas até hoje, 22 no total, mais do que a Índia (16) e a Tailândia (11).

As suas recentes vitórias contra os americanos, no caso do litígio em torno do algodão, e contra os europeus em torno do açúcar, contribuíram para incentivá-lo mais ainda a seguir esta estratégia. Além disso, a mais recente queixa que o Brasil apresentou, e que se encontra atualmente em fase de instrução, contra o protecionismo alfandegário dos europeus no setor das importações de frangos congelados, tem grandes chances de ser mais uma vez bem-sucedida. O Brasil, primeiro exportador mundial de frangos, acusa a União Européia (UE) de ter aumentado as suas tarifas alfandegárias para se proteger da concorrência estrangeira. Com isso, no período de dois anos, as importações pela Europa de frango brasileiro teriam diminuído de 80%.

Entre os responsáveis do governo, assim como nas federações patronais, todo mundo está na mesma sintonia. E segue com um mesmo discurso, o qual é resumido apropriadamente por este grande produtor de café que afirma: "Eu sou de uma geração que foi criada dentro dos valores da democracia e do liberalismo, e, de repente, a partir do momento em que nós nos tornamos competitivos nos mercados internacionais, alguns se acham no direito de nos dizer que esses mercados não podem funcionar para nós. Ora, isso é simplesmente injusto. Nós estamos atualmente muito competitivos, e nós vamos sê-lo mais ainda. Os americanos e os europeus vão ter que aceitar isso".

Nesse braço-de-ferro que eles vêm travando contra os países do Norte, que pagam cerca de US$ 350 bilhões (R$ 850,46 bilhões) em subvenções anuais para os seus agricultores, os negociadores brasileiros não se sentiriam tão fortes atualmente não fosse Pedro de Camargo Neto. Ele é o "homem do algodão e do açúcar", aquele que investigou pacientemente e evidenciou as práticas comerciais desleais das quais os seus produtos eram vítimas, antes de convencer o governo a levar o caso perante a OMC.

Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, ele não é um jurista especializado em direito comercial internacional, e sim um criador de bovinos, que chegou a obter um diploma no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele ainda se mostra revoltado até hoje com o mais recente ciclo de negociações conhecido como o "Uruguay Round", que havia terminado em 1994 sem que os países ricos fizessem quaisquer concessões em relação ao dossiê agrícola, o mais importante para os países em desenvolvimento.

"A minha idéia", explica Camargo Neto, "era de encontrar, antes da reunião ministerial de Doha (Qatar) em 2001, exemplos que nos permitam embasar o nosso combate contra as subvenções, e com isso chegar à mesa das negociações em posição de força. Infelizmente, não consegui concluir esta pesquisa a tempo. Mas, tempos depois, apareceram os casos do algodão e do açúcar, e o mais importante é que finalmente nós vencemos. Agora, nós esperamos que as decisões da OMC sejam respeitadas". Os Estados Unidos têm até o mês de julho para cumprir a decisão da entidade sobre o algodão, enquanto os europeus prometeram apresentar em junho uma reforma do seu regime comercial em relação ao açúcar.
"Acesso melhor"
Os dois dossiês constituem evidentemente um teste de maior importância para o sucesso das negociações do ciclo de Doha que a comunidade internacional espera conseguir concluir em dezembro, por ocasião da próxima reunião ministerial dos países membros da OMC em Hong-Kong. "Ou os americanos suprimem suas subvenções daqui até lá, ou toda e qualquer negociação vai ser impossível", avisa Roberto Giannetti da Fonseca, o diretor das relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a mais poderosa dentre as organizações patronais do país.

"Nós não vamos abrir a nossa indústria e os nossos serviços, se os países ricos não entenderem que, nesta rodada de negociações, os países em desenvolvimento só poderão ganhar alguma coisa caso eles obtiverem um acesso melhor aos mercados agrícolas". A voz do Brasil é tanto mais importante que, já faz dois anos, o país tornou-se o porta-voz o mais ativo do Grupo dos 20. Criado em 2003, às vésperas da reunião ministerial de Cancun (México) para construir uma frente comum contra as políticas de subsídios, este bloco ao qual pertencem, entre outros, a Argentina, a Índia, a China e a África do Sul, permaneceu unido.

Mesmo assim, sublinha Marcos Jank, o presidente do Instituto para as Negociações Comerciais Internacionais (cuja sigla em inglês é Icone), "enquanto o G20 é certamente uma das melhores operações da diplomacia comercial de Lula, ele poderia em breve se tornar um obstáculo para os interesses brasileiros", isso porque os magnatas do agrobusiness não querem apenas o fim das subvenções. Eles reclamam também a liberalização de todos os mercados.

Desta opção, muitos não querem nem ouvir falar. É o caso da Índia, e também da China. De fato, estas outras potências emergentes temem os efeitos de um livre comércio agrícola sobre as centenas de milhões de pequenos camponeses que povoam os seus territórios.

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