OMC: rodada de Cancún termina sem acordo

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Terminou neste domingo a 5a Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), no México, que foi marcada nos últimos cinco dias por acaloradas discussões em torno de medidas de comércio para produtos agrícolas. A reunião terminou sem acordo diante da insistência da União Européia e da recusa de países da Ásia e África em incluir na discussão novos compromissos em áreas como transparência em compras governamentais, desburocratização de alfândegas, normas de concorrência e regras de investimento. O insucesso tem pelo menos duas conseqüências importantes: deve adiar a conclusão da rodada de Doha de liberalização do comércio mundial e pode levar os EUA a priorizar acordos comerciais regionais, como a Alca, e bilaterais.

Culpa do Brasil? - Durante toda a reunião, os EUA fizeram forte oposição ao G-21, grupo de países emergentes articulado pelo Brasil. Ao falar da continuidade das negociações, o chanceler Celso Amorim se referia ao tema da agricultura, que dominou os primeiros cinco dias em Cancún. Por inspiração do Brasil, os países do G-21 surpreenderam os países desenvolvidos com uma articulada ação contra as propostas - consideradas tímidas - dos EUA e da UE para a redução das barreiras e subsídios à agricultura. Uma proposta do G-21, apresentada no domingo aos europeus, americanos e outros negociadores, foi classificada de negociável ("businesslike") por um dos principais negociadores do grupo de países desenvolvidos. Quando representantes do governo brasileiro, como o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, já começavam a falar num possível acordo no tema agrícola, a questão dos temas de Cingapura causou a revolta dos países asiáticos e africanos e o início do impasse. Robert Zoellick, chefe das delegações de Washington, deixou transparecer que o Brasil foi responsável, com sua intransigência, pelo insucesso.

Um pequeno avanço - Para o ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Amorin, "as negociações não chegaram ao colapso; não há fracasso absoluto". Amorim, uma das estrelas da reunião após o sucesso da iniciativa do Brasil de articular a criação do G-21, grupo de países em desenvolvimento formado para negociar os temas agrícolas em igualdade com os países ricos, afirma que "não houve insucesso porque tivemos avanços, e vamos continuar a negociar do ponto em que paramos." Ficou claro para os participantes, porém, que a forte divergência entre os integrantes da OMC inviabiliza o prazo de 2004 fixado para o encerramento das negociações da rodada da iniciada em 2001, em Doha, no Qatar. "Do ponto de vista técnico, o prazo [da rodada de Doha] é mantido; do ponto de vista prático, não há condições", avaliou o vice-ministro de Relações Exteriores da Argentina, Martin Redrado. A avaliação foi confirmada pelo representante comercial dos EUA, Robert Zoellick: "É difícil para mim acreditar na posição em que estamos agora, que conseguiremos terminar em tempo."

Aumenta a divisão - O insucesso nas negociações reforça a divisão entre países ricos e pobres na OMC. O insucesso da reunião de Cancún é o maior revés para a OMC desde o colapso da reunião de Seattle, em 1999. A inclusão na negociação desses novos temas, que podem permitir maior abertura de mercado principalmente para empresas de serviços e investidores internacionais, era exigência da UE como contrapartida para reivindicações dos países em desenvolvimento, que exigem a redução dos subsídios e barreiras a produtos agrícolas. Um grupo de quase 70 países da África e da Ásia rejeitou a proposta européia, sob o argumento de que não há condições na OMC para iniciar uma discussão sobre esses temas.

Quebra das leis da concorrência - Segundo o jornal italiano Corriere della Sera, a quebra das regras da concorrência ocorreu ainda antes do afrontamento das questões relacionadas com os subsídios agrícolas, quando as delegações estavam tratando das questões de Singapura, do pacote de investimentos, das regras de concorrência, da transparência nos negócios e facilitação ao comércio. Contrariando os pedidos das nações industrializadas, a grande cautela do diálogo oferecido pelos EUA e Europa e ao drástico enrijecimento do Japão e Coréia, a África se rebelou, seguida das nações asiáticas e latino-americanas, que deixaram a sala batendo a porta. "Reentraremos só se aceitarem as nossas condições", afirmam. Para eles, a liberdade de investimento desejada pelo mundo rico significa conceder carta branca às indústrias multinacionais.


Período de incertezas - O insucesso ficou claro quando os europeus se recusaram a começar as discussões sobre agricultura enquanto não se chegasse a uma decisão sobre como tratar os temas de Cingapura, que, na véspera, haviam provocado discursos irados de diplomatas de países em desenvolvimento. O representante da Índia foi aplaudido ao criticar a insistência de países da UE e do Japão e ao acusar a direção da OMC de ignorar as críticas dos países em desenvolvimento. "É mais uma instância de negligência deliberada com a visão de grande número de países em desenvolvimento". Diante do insucesso Robert Zoellick, chefe das delegações de Washington, afirmou que "a retórica dos países contrários prevaleceu sobre todos os outros. Hoje falimos, mas a lição de Cancún é que um útil compromisso entre as 148 nações pede uma séria vontade de concentrar-s sobre o trabalho para obter o justo equilíbrio entre ambição e flexibilidade". E no encontro a portas fechadas da delegação européia, também o comissário da UE, Pascal Lamy, reconhecia um "insucesso grave, que mostra a fragilidade das negociações e que remete para a dúvida, abrindo um período de incertezas".

O aplauso das Ongs - Dentro dos salões do centro de congressos, dezenas de expoentes das organizações não governamentais exultaram diante do insucesso das negociações. Fora, centenas de militantes da via campesina começaram a cantar "Vitória, vitória", voltando num instante o espectro de Seattle em 1999, quando do encontro entre o mundo rico e o mundo pobre havia bloqueado cada possibilidade de relançar, em bases mais razoáveis, o fluxo do comércio mundial. As Ongs gritaram vitória porque defendem que, se não há ganhos para os países pobres, não devem haver nem para os ricos. (Fonte: Jornais Valor e Corriere della Sera)

 

 

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