Marcos Jank mostrou \"uma janela de oportunidade\"
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Paraná Cooperativo - Como o Brasil deve se comportar perante
as negociações da Alca? Deve participar ou sair das conversações?
Marcos Jank - O Brasil deve permanecer na Alca. É uma integração
de 34 países latino-americanos lançado pelos Estados Unidos, mas
onde os americanos não puseram, até agora, muito cacife político
e tão pouco fizeram concessões que satisfizessem países
como, no caso, o Brasil. O Brasil tem algumas resistências porque tem
competitividade em certas áreas que teme que não façam
parte do acordo. Então, tem que jogar até o final essa partida.
A decisão tem que ser tomada em função do acordo que for
proposto. A idéia de sair só por sair só traz perda, pois
existe uma possibilidade da Alca acontecer, mesmo que efeitos ruins podem acontecer
mesmo a Alca não aconteça. Por exemplo, há risco de haver
explosão de acordos bi-laterais nas Américas, comandados pelos
Estados Unidos, que podem vir a nosso desfavor. Então, temos que permanecer
na negociação e tentar ter uma Alca positiva, que pelo menos é
uma posição melhor.
PC - A equipe do Governo Lula está preparado para as negociações?
Marcos Jank - O governo Lula, pelas características do PT, tem mais resistências
que o governo anterior. E particularmente na área da Alca. Curiosamente,
há uma pressão no governo - com a qual eu não concordo
- de que seria mais fácil negociar com a Europa do que negociar a Alca.
No meu ponto de vista, as negociações da Europa sempre foram reativas
à Alca. Ou seja, se a Alca não avançar, vai ser mais difícil
ainda negociar com a União Européia. Eles são muito mais
protecionistas que os EUA, em todos os sentidos. Na área de acesso aos
mercados eles têm muito mais produtos protegidos por tarifas altas. Eles
usam muito mais cotas tarifária, as barreiras tarifárias têm
crescido de maneira muito mais espantosa na União Européia, e
o nível de subsídios também é muito mais alto, subsídios
domésticos e subsídios de exportação, pois os europeus
são campeões em subsídio à exportação,
que é o pior tipo de subsídio. Então, não há
nenhuma razão para achar que a negociação com eles será
mais fácil do que com os americanos. Infelizmente corre-se o risco de
não ver nenhuma frente acontecer e, pior, ver a explosão de negociações
bilaterais com vizinhos nossos, nas nossas fronteiras, que podem ser muito prejudiciais.
Estamos numa situação em que temos que negociar em todas as frentes.
Paraná Cooperativo - Como o Brasil tem se portado frente a
esses mercados e como tem que se portar?
Marcos Jank - Nós temos uma característica importante: a gente
critica diariamente os subsídios europeus e americanos - com razão,
pois são danosos para o Brasil - mas ainda critica de maneira superficial.
Poucas pessoas mergulharam na agenda para saber exatamente montar uma estratégia.
É uma deficiência do agronegócio em não montar uma
estratégia mais clara do que deve ser pedido, é razoável
como resultado em cada uma das frentes. Falta exercício nesse sentido.E
há uma ignorância muito grande sobre o terceiro mundo. Por exemplo,
no Brasil não há especialistas em China e Índia. Eu conheci
lá fora vários especialistas em mercados específicos e
aqui não temos isso. Eu tenho tido oportunidade de ler textos sobre estes
paises, levantar dados. A gente precisaria estar considerando com muito maior
rigor estas possibilidades de acordos com países populosos. A Frente
Asiática, por exemplo, eu acho que deveria ser melhor considerada.
Paraná Cooperativo - Faz apenas uns dez anos que o Brasil
começou a se familiarizar com negociações internacionais.
Como o governo está preparado para isso, tem um quadro de pessoal preparado?
Marcos Jank - A gente pode olhar usando a parábola do copo de cerveja
pela metade: olhar sob uma ótica otimista ou pessimista. A ótica
otimista é lembrar que dez anos atrás a gente não sabia
o que era, GATT, o que era integração, o Brasil era uma economia
em processo de abertura, mas sem nenhuma preocupação ofensiva.
A preocupação era mais defensiva. Quando se vê o que aconteceu
em dez anos, a conscientização sobre o problema, a priorização
do problema dada pelo governo, foi um enorme progresso. Mas existe um lado pessimista
que é o seguinte:apesar desse progresso, as nossas estruturas de negociação
são muito deficientes se comparadas com a de outros países. A
pesquisa é quase inexistente, muito precária em termos de levantamento
de barreiras, subsídios, estratégias dos outros países.
Para negociar com EUA e Europa a gente tem entender como é que funciona
a gestão da política internamente, qual o papel do congresso,
quais os lobbies organizados que há lá foram. Esses tipos de pesquisa
praticamente inexistem no Brasil e a coordenação do governo com
o setor privado é muito precária. É uma coordenação
muito mais de troca de informações do que parceria, de construção,
de posicionamento. Acho que temos que avançar nessas duas frentes.
Paraná Cooperativo - Qual é o papel das lideranças do setor do agronegócio nessas negociações. É de ficar só na torcida? As lideranças estão participando dessas negociações ou estão vendo passivamente, esperando que alguém faça alguma coisa, ou ficam só na torcida?
Marcos Jank - Aqui, é a velha história do copo de cerveja pela metade, onde o otimista diz que tem metade e o pessimista que já foi metade. Ou seja: há progressos enormes, como os dois exemplos, a criação da coalisão empresarial brasileira, que definiu uma posição do setor privado, criou-se um mecanismo de consulta mais permanente e no caso específico da agricultura, o Fórum Permanente de Negociações da CNA. Abag e OCB. São grande progressos. Mas por outro lado há deficiências. Por exemplo, eu estou comandando esse novo instituto que é uma associação sem fins lucrativos de interesse público, com objetivo de fazer pesquisas em termas de negociação. Esse instituto não tem nada de novo, é uma cópia de institutos semelhantes que existem em países importantes em agricultura, a começar pela Austrália, que é o que mais investiu nisso. E estou pensando em países médios, pois a gente nunca vai conseguir ter o nível técnico e gente como a Europa e EUA têm. Mas se a gente conseguir fazer o que a Austrália, o México, o Chile e a Nova Zelândia fazem, eu acho que já é um avanço, pois eles criaram mecanismos de negociação muito mais intensos do que o Brasil. Então, como dizia, estamos tentando criar aqui um instituto, e no momento em que a gente vai tentar buscar um financiamento junto ao setor, a gente tem dificuldades. Ainda falta muito em termos de papel político do governo e setor privado na coordenação desse trabalho. Nós temos que fazer pesquisas, pois é o elemento crucial para o entendimento do processo.
Investigação - Como são várias frentes de
negociação você não vai conseguir resolver nenhum
problema, integralmente, num só local. Você vai ter que conseguir
o melhor resultado no conjunto das negociações. E para saber qual
é o melhor resultado, você precisa fazer pesquisa onde investiga
as práticas protecionistas de cada país com quem você está
negociando. Nota-se que são 34 países na Alca, 15 mais 04 países
na União Européia e Mercosul; e são 146 países na
OMC (Organização Mundial do Comércio). Portanto, estamos
falando num volume considerável de dados que têm que levantados
para ter um bom resultado nessas negociações. Eu não estou
aqui só para defender a pesquisa, pois ela é um elemento. Ainda
acho que a coordenação entre governo e setor privado é
até mais importante em curto prazo. Mais pro final da rodada a pesquisa
vai ser absolutamente central.