LEGISLATIVO II: Preocupação ambiental marca debate sobre projeto de regularização fundiária

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legislativo II 11 05 2021Na terceira audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) para debater o PL 510/2021, que altera regras de regularização fundiária em terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), divergências sobre a matéria deram o tom nas discussões. De autoria do senador Irajá (PSD-TO), o projeto unifica a legislação sobre esse tema para todas as regiões do país e que retoma pontos da Medida Provisória 910/2019, que perdeu a validade em maio de 2020.

Preocupação - Solicitada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), a audiência foi pautada por preocupação por melhor instrução dos senadores quanto às questões relacionadas ao marco temporal previsto no projeto, seu campo de atuação, dispensa de vistoria prévia da área a ser regularizada, entre outros pontos colocados em debate.

Legalidade fundiária - Após contextualizar inicialmente aspectos legais fundiários e garantir que, ao contrário do que se imagina, há na legislação maior proteção da área pública do que da particular, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin chamou atenção para preocupações específicas com o PL 510/2021.

Combate à ilicitude - “No passado, nós tínhamos — e temos ainda — uma preocupação com o combate à ilicitude, que tem a ver com a criação da chamada "cultura da legalidade fundiária", que se baseia, na regularização para trás e na rigorosidade para a frente. Qualquer projeto de lei deve levar em consideração estes aspectos: eu vou regularizar para trás, e aí vem a questão do marco temporal, mas o que eu posso melhorar para a frente, inclusive com mais rigor legal, para facilitar essa cultura da legalidade? Então, de um lado, trata-se de criar mecanismos de regularização fundiária e, em segundo lugar, criar mecanismos ou ampliar mecanismos que desestimulem a ilegalidade no campo e, portanto, a própria insegurança jurídica”, diz o ministro.

Alterações - Alterações propostas no texto ao artigo 5º da Lei 11.952, de 2009, preocuparam o ministro, quando delimita no parágrafo 1ºque “Fica vedada a regularização das ocupações em que o ocupante ou o seu cônjuge ou companheiro exerçam cargo ou emprego público no Ministério da Economia; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Incra; Secretaria do Patrimônio da União (SPU) ou nos órgãos de terra estaduais ou do Distrito Federal”.

Lista fechada - “Aparentemente, é uma lista em numerus clausus, ou seja uma lista fechada. Então, o juiz pode grilar terra no Brasil, ocupar ilegalmente... Promotor de Justiça, Procurador da República! O Delegado de Polícia da cidade não está nesta lista. Então aqui está um dos exemplos em que, certamente, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT, relator do PL), com o seu grande conhecimento, e também o senador Irajá poderão, juntos, melhorar o que já existe no sentido de fechar e, realmente, estabelecer uma cultura de legalidade fundiária no nosso país”, expôs o ministro.

Dispositivos técnicos - Ao enfatizar que há dispositivos técnicos bem elaborados, mas outros que precisam de ajustes, o ministro do STJ assinalou ainda preocupação com o campo de aplicação da lei que estaria sendo mudado.

Campo de aplicação - “Essa lei, na sua redação atual, tem como campo de aplicação a Amazônia Legal. E a ementa retirou também o artigo 1º, retira essa aplicação ou campo de aplicação limitado e deixa a lei aberta para o país como um todo. Penso que o debate até hoje foi feito olhando para a Amazônia. Nós não sabemos o impacto dessa lei com os requisitos que tem para todos os biomas brasileiros. Nós não fizemos esse estudo”, pontuou.

Marco legal - A legislação atual permite a regularização de terras ocupadas antes de 22 de julho de 2008. Pela proposta, o marco temporal passa a ser o de 10 de dezembro de 2019.

Efetividade - Relator da matéria, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) afirmou que quer apresentar um relatório que promova efetividade na regularização fundiária no país.

Projeto moderno - “Apesar de divergências quanto ao projeto de lei e à forma, não encontrei quem fosse contra a regularização fundiária. Alguns acham que por eu ser produtor, não tenho preocupação ambiental, o que é um erro. Terras propícias, gente vocacionada, máquinas e tecnologias são grandes ativos, mas nenhum deles se compara ao meio ambiente. Temos de preservar e desenvolver, fazer as duas coisas caminharem juntos. O senador Irajá procurou fazer um projeto moderno e estamos debatendo”, afirmou Fávaro.

Pequenos e médios - O relator afirmou que não quer e não vai avançar para “passar a mão na cabeça de grileiros de terra”. “Por isso, tenho a convicção de não mexer no marco legal atual. O projeto atenderá tão somente pequenos e médios produtores desse país e esse será o conceito que quero apresentar aos senadores.”

Rótulo - Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), cabe ao relator tirar o rótulo de “PL da grilagem”. “Estamos ajudando a fazer a legislação, mesmo em tempo de pandemia, em situação remota. A questão de definição de infração ambiental me preocupa muito. Vamos manter o marco temporal. No mais, acho que o relator ouviu e acolheu nossas sugestões.”

Data limite - Contarato reforçou pontos do projeto que o preocupam como a data limite para a regularização de terras públicas, anistia e a dispensa de realização da vistoria prévia de imóveis a serem regularizados. “Temos de ter a responsabilidade ambiental, nacional e internacional”, afirmou.

Impactos - Também fizeram questionamento quanto aos impactos do projeto os senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Wellington Fagundes (PL-MT).

Meio ambiente - As preocupações ambientais foram amplamente defendidas pela procuradora da República e ex-coordenadora da Força Tarefa Amazônia do Ministério Público Federal Ana Carolina Haliuc Bragança; pelo procurador da República do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Julio José Araujo Júnior e pela promotora de Justiça do Ministério Público do Pará e professora da Universidade Federal do Pará Eliane Cristina Pinto Moreira.

Papel do Estado - O papel do Estado de observar as terras públicas, definindo-as como terras indígenas, quilombolas, para concessão florestal, para reforma agrária, ou uso agropecuário, entre outras destinações, não pode ser de apenas regularizar, mas principalmente de ordenação, segundo a procuradora Ana Carolina Bragança.

Constância - Ela enfatizou a constância de ajuizamento de ações civis públicas em que se vê por parte dos réus, perante os juízes, a afirmativa de que se tratam de “laranjas”, evidenciando circunstâncias de fraudes. “A nossa legislação atual já atende grande parte dos pequenos agricultores e produtores rurais na Amazônia e poucas pessoas, médios e grandes proprietários, serão efetivamente beneficiadas pelos dispositivos trazidos pelo PL 510/2020. A tendência deste PL é de aprofundar injustiças e não de promover a ordem, a justiça e o estado de legalidade nas zonas rurais de nossa Amazônia”, afirmou a procuradora.

Cenário - Na mesma linha, o procurador Julio José Araujo Júnior salientou a importância de se entender qual é o cenário das terras públicas, tanto federais, como estaduais, para que o Estado brasileiro possa incidir com planejamento e organização da sua destinação, com controle social e participação efetiva, proteção suficiente e constitucionalmente adequada de bens jurídicos fundamentais.

Sinais - “Não é mudando essa legislação, aprofundando-a ou aumentando-a, que a gente vai conseguir adequar a proteção de todos esses bens jurídicos. Há muita preocupação também com alguns sinais, como a previsão da possibilidade de pessoas regularizarem mais de um imóvel, sendo proprietários de outros imóveis, e isso tudo gera um cenário de muita insegurança, insegurança em que se transforma e se inverte a lógica em relação à regularização fundiário”, defendeu Júnior.

Floresta Amazônica - A promotora de Justiça no Pará, Eliane Cristina Pinto Moreira, enfatizou que o avanço da ação antrópica ruma à floresta Amazônica, o que resulta em conflitos graves, como os regularmente registrados no estado em que atua.

Desmatamento - Notícias de flexibilização de regularização fundiária acabam por gerar crescimento do desmatamento na região, ao mesmo tempo em que a titulação de terras indígenas e de povos tradicionais anda a passos lentos, segundo a promotora.

Beneficiados - “Quem se beneficia [com essa política pública]? Quem ocupou ilegalmente terra pública após 2008. E assim, ela premia a grilagem. Ela cria mecanismos que oportunizam a regularização fundiária para o desmatador, e com isso ela premia quem desmatou para grilar. E ela fecha os olhos à realidade da terra e à existência de conflitos no campo ao não vistoriar e, com isso, incentiva conflitos agrários.”

Irregularidades - Segundo o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Raoni Guerra Lucas Rajão, o Tribunal de Contas da União (TCU), desde 2014, tem uma série de auditorias realizadas especificamente sobre o Terra Legal, levantando uma série de irregularidades.

Amostragem - “Para começar, por exemplo, da amostragem que foi analisada, tivemos que 11% não atenderam aos requisitos e foram titulados e 38% com indícios de não estarem se enquadrando dentro da regularização fundiária (...). E quais são as conclusões principais do TCU? Facilitação da grilagem de terras públicas por meio da ação estatal. Isso é muito preocupante, porque nós, não só não temos o controle, mas nós temos atuação do órgão e o próprio uso da legislação atual para facilitar uma ação criminosa, que é o roubo de terras pública. Há ocupação de áreas excedentes aos limites legais estabelecidos, principalmente pela legislação ambiental — isso é uma constante — e permanência irregular dos posseiros que não cumprem essa legislação, que não cumprem os critérios pós-titulação.”

Especialista - Especialista internacional em governança e administração de terras, Richard Martins Torsiano apontou que somente 1.837 imóveis, em 241 mil há, sobrepostos a glebas federais e que desmataram entre 2008 e 2012, seriam potencialmente beneficiados pelo PL 510/2021. “A alteração do marco temporal é um risco e não se justifica pela demanda (1% dos registros) ou por algum benefício que hipoteticamente poderia trazer ao agronegócio, às comunidades locais ou ao país”, disse.

Mais - Também demonstram preocupação com pontos do projeto a advogada do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula Batista e do diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil Raul Silva Telles do Valle, convidados para a audiência pública.

Agronegócio - Para o copresidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcello Brito, o desenvolvimento socioeconômico depende prioritariamente da regularização fundiária. “O que precisamos é facilitar o processo já existente através da estrutura do Incra. O agronegócio tem sido o desenvolvedor em várias regiões do país. O Norte e Nordeste ficaram aquém desse processo de desenvolvimento porque não foram inseridos no agronegócio”, expôs.

Projetos - Para Brito, o PL 2.633/2020, em tramitação na Câmara, que já teria sido amplamente discutido, deveria se sobrepor ao PL 510/2020, por estar pacificado. (Agência Senado)

FOTO: TV Senado

 

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