Falta
de controle fitossanitário no Mercosul é ameaça permanente
à agropecuária brasileira
Em entrevista
ao jornal Gazeta do Povo, na edição de domingo (13/11),
o senador Osmar Dias defende que os pecuaristas paranaenses sejam indenizados
pelo prejuízo. Exatos 22 dias após o anúncio de que
poderia haver febre aftosa no Paraná, a bancada estadual em Brasília
resolveu agir. O estopim foi o resultado inconclusivo dos testes feitos
pelo Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), seguido
pela negativa do Ministério da Agricultura em anunciar que efetivamente
não há focos da doença no Paraná. Na quinta-feira,
deputados federais pediram ao ministro Roberto Rodrigues que interceda
para que o estado ganhe novamente o status de “livre de febre aftosa”.
Tarde demais. Uma vez anunciada a possibilidade da doença, há
que se respeitar prazos e cumprir uma série de procedimentos baseados
em acordos internacionais.
Para o senador Osmar Dias (PDT-PR), engenheiro agrônomo que carrega
a experiência de ter sido secretário da Agricultura por oito
anos, uma seqüência de erros levou a um diagnóstico
precoce – uma falha que pode causar prejuízos de milhões
de reais. Para ele, o Brasil já deveria ter tomado a iniciativa
de implantar um programa sério de controle fitossanitário
nos países vizinhos. Em 2000, quando surgiram focos no município
de Jóia (RS), o alerta já estava ligado. “A ameaça
sempre veio da Argentina e do Paraguai, e enquanto não se implantar
um sistema rígido de controle nestes países nunca ficaremos
livres da aftosa”, diz. Em entrevista à Gazeta do Povo, Osmar
Dias diz ainda que foi um equívoco anunciar que o estado poderia
ter a doença mesmo antes de haver qualquer laudo conclusivo. “O
bom senso mandava esperar. Precisamos lembrar que o prejuízo não
é só o leite jogado fora ou animais que deixaram de ser
abatidos, mas a perda de mercados que podem levar muito tempo para serem
reconquistados.”
Como o senhor vê esse problema causado pelo anúncio
de um suposto foco de aftosa no Paraná e a demora para a divulgação
do resultado dos exames?
Foi uma sucessão de erros. Primeiro do governo federal, que não
liberou recursos para a defesa sanitária e nunca tratou de estabelecer
um acordo com os países do Mercosul para se implantar uma política
homogênea de controle fitossanitário em todo o continente.
Sem isso, é ilusão pensar que ficaremos livre da aftosa
e de outras doenças.
O Brasil poderia auxiliar os países vizinhos nesse controle?
Quando foi implantado o acordo comercial do Mercosul, deveriam ter feito
acordos em outras áreas, principalmente a sanitária. Já
tivemos problemas de aftosa no Rio Grande do Sul e agora no Mato Grosso
do Sul e a porta de entrada foram a Argentina e o Paraguai, respectivamente.
Enquanto não houver rigor no controle sanitário nesses países,
o Brasil não estará livre destas ocorrências.
O governo errou ao anunciar a possibilidade de haver focos de aftosa em
território paranaense? Não foi uma atitude precipitada?
Fui secretário da Agricultura por oito anos e posso afirmar: jamais
deve ser divulgado por uma autoridade – seja ela quem for –,
a suspeita de um foco de doença, sem ter em mãos resultados
de exames laboratoriais consistentes. Principalmente quando o mercado
internacional está tão restritivo e tão rigoroso.
É uma temeridade. A gente dizer ao mundo que tem uma doença
que na verdade não tem é um tiro no pé. Tecnicamente,
deveria ter sido recomendado que se aguardasse o resultado de exames de
laboratório. E o pior é que, depois que você tem os
resultados negativos do exame, não faz o mesmo alarde que fez quando
anunciaram a suspeita. Precisamos lembrar que o prejuízo não
é só o leite jogado fora, os animais que deixaram de ser
abatidos ou as feiras agropecuárias que foram canceladas, mas a
perda de mercados que podem levar muito tempo para serem reconquistados.
E quanto ao bloqueio de outros estados a produtos paranaenses?
É um exagero dos governos estaduais?
Não. O Paraná agiria da mesma forma. O problema foi o anúncio
precipitado. Os vizinhos fecharam as divisas para evitar a entrada da
doença em seu território. Agora a pergunta que fica é
quem vai ressarcir os produtores pelo prejuízo. Acredito que as
entidades representativas devem orientá-los a acionar o estado
– não sei se o governo federal ou o estadual, mas é
o erário que terá de indenizá-los.
Após divulgados os resultados dos exames, senadores e deputados
paranaenses pediram ao Ministério da Agricultura que o Paraná
seja imediatamente reclassificado como “área livre de aftosa”.
Mas isso não depende agora de outros fatores? Não há
normas internacionais que prevêem um prazo para que o estado retome
esse status?
Infelizmente sim, e agora ficou uma dúvida no ar: qual é
o anúncio que vale, o que afirma que há a doença
no estado ou o que descarta o problema? Provavelmente agora o OIE (Office
International Des Epizooties, organização internacional
de saúde animal criada em 1924 para ajudar os países a coordenarem
informações sobre doenças animais e diminuir o potencial
de epidemias) terá que enviar uma missão para avaliar “in
loco” a situação no Paraná. Até lá,
os prejuízos irão se acumulando.
Essa demora na divulgação nos resultados não
mostra uma deficiência grave no sistema de controle fitossanitário
brasileiro?
Além da incompreensível falta de estrutura para o setor
– maior gerador de empregos do país –, é um
absurdo ter que mandar amostras para um laboratório em Belém,
no Pará. Deveria ser uma prática corriqueira fazer análises
nos próprios estados produtores. Será que as universidades
não teriam condições de ajudar? Está faltando
investimento e quando o governo coloca R$ 127 milhões no orçamento
e libera apenas R$ 37 milhões mostra total desconhecimento e até
irresponsabilidade.
O próprio ministro da Agricultura tem se queixado da falta
de verbas e de pessoal para o setor. Há como mensurar o déficit
de investimento na área?
Vale ressaltar que o ministro Roberto Rodrigues vinha pleiteando mais
atenção ao setor há meses. No Senado também
temos ressaltado a falta de recursos para a área, mas o ministro
da Fazenda insiste em dizer que não falta. Ou ele está desinformado
ou não quer reconhecer o problema.
O país está preparado para outros problemas? Por
exemplo, se o vírus da gripe aviária chegar ao Brasil, o
setor conseguirá administrar o problema?
Não está preparado. O Brasil deveria se agilizar e instalar
novos laboratórios e um modelo rápido de diagnóstico
para debelar rapidamente os focos de doenças. E não só
na área animal. Temos por exemplo a ferrugem da soja, que está
aumentando os custos de produção em R$ 1,5 bilhão
por safra. Não estamos vendo o país se preparar. Mesmo o
Paraná: me pergunto se o Iapar está hoje recebendo o apoio
necessário. Há recursos humanos e financeiros para o instituto?
Acredito que não.
Qual é a previsão para a agroindústria brasileira
em 2006?
Teremos redução de algumas culturas importantes como a soja,
nossa principal commodity. Teremos um prejuízo de renda no setor
agropecuário, que este ano já foi de R$ 17 bilhões
na atividade primária, o que se refletiu na agroindústria.
O impacto negativo continuará a ser sentido no ano que vem. É
inevitável. Os dados apontam para uma queda de 25% na venda de
insumos modernos, o que significa menos tecnologia e menor produtividade.
A atividade vem em queda desde o início do governo Lula. Em 2003
o agronegócio foi responsável por 38% dos empregos gerados
no Brasil. Em 2004 o índice baixou para 22% e em 2005 deve ficar
em 20%. A próxima safra já está plantada, e o governo
tem que se convencer de que com essa taxa de juro e com este câmbio
não há como gerar emprego, renda e consumo. (Gazeta do Povo)
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