Editorial: A batalha do algodão
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Parecia
impossível, mas aconteceu. Embora uma decisão ainda preliminar,
a vitória brasileira na Organização Mundial do Comércio
(OMC), no contencioso do algodão com os Estados Unidos, pode ser creditada
também ao fórum múltiplo em que foi colocado. Fossem as
negociações bilaterais, talvez o resultado nunca pudesse ser alcançado.
Para o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o sucesso brasileiro já
sinaliza uma mudança substancial. A agricultura é o tema central
nas negociações e sem avanços nesse setor as negociações
param, lembra o ministro. Mais ainda: virou uma questão emblemática
para o mundo moderno da visão mundial do subsídio agrícola.
A decisão final da OMC, que deve ocorrer no próximo mês,
poderá representar ganho de preço do produto brasileiro em pelo
menos 15%, na avaliação de Almir Montecelli, presidente da Cooperativa
Central do Algodão (Coceal), com sede em Ibiporã, no Norte do
Paraná. A esperança é que o subsídio, a partir do
algodão, seja banido dos demais produtos. Analistas avaliam que os subsídios
agrícolas no mundo giram em torno de US$ 300 bilhões por ano.
No caso dos EUA, pelo menos 50% das receitas dos produtores norte-americanos
vêm do governo, via subsídios. Com isso, os preços de mercado
para esses produtores passam a ser secundários. Eles foram pouco afetados
pela queda de US$ 0,70 por libra-peso na safra 1997/98 para um patamar inferior
a US$ 0,40 em 2001.
Já o Brasil teve prejuízos de US$ 450 milhões por ano,
considerando a queda de área, produção menor e efeitos
sobre a arrecadação de impostos.
De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão
(Abrapa), sem os subsídios na agricultura americana o Brasil pode ganhar
um mercado extra de 600 mil toneladas no comércio externo. A estimativa
da entidade é de exportação de 500 mil toneladas no atual
ano-safra.
A questão do algodão teve início em setembro do ano passado,
no encontro do México. Foi um capítulo importante em busca de
um sonho antigo, o comércio mundial próspero e equilibrado.
O processo para se chegar à democratização desse intercâmbio
de bens e serviços remonta ao final da 2.ª Guerra Mundial, quando
da criação do Acordo Geral de Tarifas de Comércio (GATT).
Mas, apesar da importância da conferência no México, a expectativa
não era de grandes avanços. Cancún, então, significava
mais uma oportunidade de se encaminhar questões de modo a reduzir o fosso
entre nações pobres e em desenvolvimento dos países ricos.
Como era destacado na época, os subsídios e outras medidas de
salvaguardas, de inspiração nitidamente xenofóbica, fizeram
surgir um outro muro a dividir o planeta, o protecionismo no comércio
mundial.
Cancún era a oportunidade de uma revisão e avaliação
do que foi estabelecido em 2001 na rodada de Doha, no Qatar, quando, aliás,
o comércio internacional ganhou um membro importante: a adesão
da China, o maior mercado consumidor do mundo, à OMC.
Foi em 2002 que o Brasil entrou com reclamação na OMC contra a
distribuição de subsídios a produtores e exportadores norte-americanos
de algodão. O Acordo sobre Agricultura, que terminou em 1994, autorizava
formalmente elevados subsídios. A cláusula, no entanto, limitava
os subsídios, por produto, ao valor distribuído em 1992. Como
os EUA ultrapassaram esse limite, abriu-se a possibilidade de contestação
como se fosse qualquer produto industrial.
Editorial publicado pela Gazeta do Povo na edição de 07/05/2004.