Crise nas negociações agrícolas na OMC
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A negociação
agrícola entrou em crise aguda na Organização Mundial de
Comércio (OMC). Nesta semana, as discussões ficaram perigosamente
bloqueadas e num ambiente de fricções. O mediador, Tim Groser,
pela primeira vez advertiu que dificilmente apresentará um texto envolvendo
um "pacote agrícola" até o fim deste mês, como
previsto inicialmente - o que pavimentaria o terreno para concluir a Rodada
de Doha em 2005. Representantes do G-20 acusam tanto a União Européia
como os Estados Unidos de não mostrarem qualquer movimento. "Só
quem quer negociar é o Brasil e o G-20", afirmou um negociador depois
de intensas reuniões envolvendo diferentes grupos em Genebra.
Falta de comprometimento - A UE, paralisada por causa de sua situação
interna, acusa os EUA de não se comprometerem em cortar subsídios
domésticos. Já os americanos dizem que só se comprometerão
se puderem explicar a seus agricultores, deputados e senadores que eles, em
contrapartida, vão obter a abertura de mercados para os produtos agrícolas.
Ora, é exatamente o que a UE não quer e nem pode fazer. Marianne
Fischer Boel, comissária européia de agricultura, chegou a considerar
uma "má idéia" a posição de seu colega
do comércio, Peter Mandelson, de barganhar o acesso a mercados de países
emergentes para produtos industrializados pelo acesso de produtos agrícolas
na União Européia. O Brasil fica, assim, sem margem de manobra.
Brasília não pode se comprometer com uma abertura para produtos
industriais e serviços, como querem americanos e europeus, se não
tiver a contrapartida na agricultura.
Mini-conferência - Nesse cenário, o pacote do
fim do mês vai depender da mini-conferência que reunirá cerca
de 30 ministros na semana que vem em Dalian (China). Se os principais atores
da negociação - como EUA, UE, Brasil e Austrália - não
se entenderem pelo menos sobre a estrutura de uma fórmula para cortar
tarifas agrícolas, estará comprometido o plano de se definir a
partir de setembro os percentuais de reduções tarifárias
e de subsídios. Assim, a ambição liberalizadora de toda
a Rodada de Doha está encolhendo dia a dia. O "esquemão"
no qual importantes negociadores se apóiam é o de tentar a todo
custo dar um sinal positivo até o fim deste mês, e deixar que o
próximo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, "quebre essa castanha"
- ou seja, tente impulsionar a Rodada de Doha a partir de setembro, quando assumirá.
Concessões americanas - A expectativa é que Lamy saiba
precisamente até onde europeus e americanos podem fazer concessões
em agricultura até a conferencia de ministros da OMC, em dezembro próximo,
em Hong Kong. Ontem, na véspera do encontro de cúpula do G-8,
o Grupo de Cairns, liderado pela Austrália, lançou um comunicado
conclamando os países mais ricos a realmente afrontarem o problema da
pobreza nas nações em desenvolvimento por meio de "fortes
reformas" nas políticas agrícolas. Para o Grupo de Cairns,
que inclui os países do Mercosul, a reforma deve começar pela
abolição dos subsídios à exportação,
pelo corte dos maciços subsídios internos que distorcem o comércio
internacional e também por uma abertura genuína dos mercados.
Entre ricos e pobres - A agricultura representa entre 30% e 50% da
produção econômica dos países em desenvolvimento,
comparado a entre 3% e 5% nas economias industrializadas. No entanto, o protecionismo
continua forte nos países ricos, que lançam mão de políticas
que também deprimem preços. Se houver realmente reforma agrícola,
através da Rodada de Doha, dois terços dos países em desenvolvimento
terão ganhos de US$ 50 bilhões, diz o Grupo de Cairns - para o
qual está na hora de comprometimentos concretos.(Jornal Valor).