Artigo: Vender soja sem preconceitos
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Os produtores e
exportadores brasileiros de soja têm mais um motivo para comemorar - a
China liberou, a partir de 20 de abril, as importações do produto
brasileiro, sem restrição ao grão transgênico. Nesta
data expira o prazo de vigência de sua regulamentação provisória
para a importação de soja e passam a valer novas normas adotadas
para garantir a segurança nas importações de alimentos.
Como este jornal informou, os Estados Unidos e a Argentina já se haviam
adequado às novas normas chinesas. Nesses países, quase a totalidade
da produção é de soja transgênica. A regulamentação
provisória permitiu que as exportações brasileiras para
a China não fossem interrompidas. Tanto é que uma companhia chinesa
fechou contrato para compra, em 2003, de 300 mil toneladas de soja transgênica
produzida no Rio Grande do Sul e de mais 700 mil toneladas neste ano.
O país asiático é o maior importador mundial de soja e
também lidera as compras do Brasil. No ano passado, as exportações
brasileiras de soja em grão para a China somaram 6,5 milhões de
toneladas, no valor de US$ 2 bilhões. Esse volume representa 31% das
exportações totais de soja, que alcançaram 20,7 milhões
de toneladas. Os chineses já confirmaram que pretendem neste ano aumentar
acentuadamente as importações do Brasil.
Para dar o sinal verde à importação de soja brasileira,
as autoridades chinesas aceitaram um documento, firmado pelo governo brasileiro,
que garante não haver riscos relacionados ao grão geneticamente
modificado. O fato de esse documento basear-se nas normas da Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) reforça o papel
desse órgão enquanto tramita no Congresso o projeto da nova lei
que regulamenta a pesquisa, produção e comercialização
de organismos geneticamente modificados (OGMs).
Com atraso de vários anos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) foi autorizada em meados deste mês, a iniciar o plantio experimental
de feijão transgênico, numa pequena área, para medir os
seus possíveis impactos ambientais. No ano passado, a companhia estatal
já obtivera autorização para realizar testes de campo com
mamão geneticamente modificado. Apesar da oposição de certos
círculos retrógrados, o País começa, assim, a desmistificar
as conquistas da biotecnologia e a avançar na direção do
futuro.
Mas a atitude da China em relação à soja transgênica
brasileira também tem outras implicações. A mais importante,
sem dúvida, é que mostra quão descabida é a decisão
tomada pelo governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), de proibir
o embarque de soja transgênica pelo porto de Paranaguá, o maior
escoadouro da safra brasileira para o mercado internacional. Tal medida causa
incalculáveis prejuízos ao País e não encontra,
a nosso ver, qualquer justificativa.
Os atrasos nos embarques devido à necessidade de identificação
de possíveis carregamentos de soja transgênica, por si sós,
já representam um grave empecilho que, entre outros efeitos, provoca
elevação dos custos operacionais dos exportadores. Não
é por outra razão que os armadores encontram motivo para aumentar
os fretes marítimos. A greve de cinco dias dos trabalhadores do porto
de Paranaguá somente agravou esse quadro.
Podemos compreender que algumas pessoas, por motivos diversos, tenham objeções
ao plantio e à comercialização de produtos transgênicos.
Não é nossa intenção, neste momento, discutir o
tema neste espaço.
O que nos causa estranheza é que o poder público cause obstáculos
à comercialização de um produto que não foi oficialmente
condenado. E que, em nome de suas convicções ou de seus interesses
políticos, tome uma medida capaz de causar prejuízos de monta
a milhares de pessoas, produtores, caminhoneiros, trabalhadores portuários
e de todos aqueles que vivem em função desse negócio, sem
falar nas perdas ocasionadas à exportação nacional.
O Brasil é um Estado federado e as decisões dos governos estaduais
devem ser respeitadas, desde que inseridas em um contexto legal. Contudo, quando
o governo de um estado adota uma posição que interfere tão
flagrantemente com o comércio de um produto como a soja, de que o Brasil
é hoje um dos líderes mundiais, isso, naturalmente, não
pode deixar de refletir-se sobre a imagem do País no cenário internacional.
Um grande esforço tem sido feito para que o Brasil seja visto pelo mundo
como cumpridor de suas obrigações internacionais, ainda que o
faça com grandes sacrifícios. Não podemos pôr a perder
esse trabalho em razão de caprichos de um governador.
Sendo o Brasil um dos líderes mundiais na exportação de
soja, é um absurdo criar obstáculos ao escoamento do produto.
(Fonte: Gazeta Mercantil/Editorial - 26.03.2004)