ARTIGO: Sem produção e venda, não tem geração de renda, nem distribuição de merenda
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*Marcos Fava Neves
A frase que falo sempre em debates e apresentações rimando venda, renda e merenda e que coloco como título deste artigo criei para de forma simples tentar explicar a sequência do desenvolvimento social, e reflete muito do que é o agro. No artigo anterior cobri parte dos indicadores ambientais da nossa sustentabilidade, dentro do conceito ESG (ambiental, social e de governança). Aqui falaremos do aspecto social.
Na pauta do desenvolvimento e sustentabilidade social das empresas do agro estão muitas ações cada vez mais prioritárias, que listo aqui sem esgotar todas as existentes: vão desde oferecer boas condições de trabalho em consonância com a legislação, com adequados salários e políticas de participação nos resultados; ações para equilíbrio de gênero, criação de oportunidades para minorias e pessoas com dificuldades físicas e outras dificuldades; fim de quaisquer discriminações ligadas à raça, idade, sexualidade e outras; promover diversidade de pensamento; melhoria do entorno e das comunidades, promovendo desenvolvimento de infraestrutura, investimentos em educação e qualificação das pessoas; estabelecimento de códigos de conduta que reduzam e punam comportamentos inadequados, entre eles os de assédio ou outros; as políticas de privilégio a produtos locais, feitos na nossa região e de pequenos negócios; e outros. E para oferecer estes avanços sociais, é necessário produzir e vender, para gerar renda.
O agro tem feito isto de forma a orgulhar a sociedade brasileira e obter admiração mundial. Na produção e consequentemente geração de renda, apenas no elo agrícola (fazendas) a expectativa é que o agro gere em 2023 um valor bruto de R$ 1,142 trilhão. As lavouras devem entregar um montante financeiro de R$ 804,3 bilhões e a pecuária deve faturar R$ 338,3 bilhões. A grande maioria deste recurso vai para os custos de produção, movimentando milhares de empresas e gerando empregos. Mas quantos são?
Segundo o Cepea da Esalq/USP, a população empregada no agro corresponde a 28,3 milhões de pessoas, e considerando-se numa casa entre 3 e 4 pessoas, tem-se quase 50% da população brasileira obtendo sua renda no trabalho deste setor.
Em exportações do agro, é provável que se atinja em 2023 o valor de US$ 165 bilhões, o que corresponde a R$ 800 bilhões. Recursos que vem do mundo todo para serem distribuídos pelas indústrias, pelas fazendas, prestadores de serviços e outros. E os gastos desta turma movimentam pizzarias, revendas de automóveis, arquitetos, construção civil, personal trainers, entre outros.
Muitos desinformados alegam que o agro não paga impostos. Estudo recente publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) confere ao agro a arrecadação de R$ 790 bilhões, correspondendo a quase 25% do total de impostos pagos no Brasil. Acredito que o número é ainda maior que este, pois provavelmente nem todos os setores que fazem parte foram incluídos.
Outros desinformados, que o agro só concentra renda. Estive recentemente na bela Chapecó (SC), exemplo do agro cooperativista distribuidor de renda, cooperativismo este pelo qual passa 50% da produção agrícola brasileira, e descobri que a Cooperativa Alfa, que muitos leitores nunca ouviram falar, vai neste ano faturar R$ 10 bilhões, tem quase 23 mil donos (pequenos produtores), emprega 4 mil pessoas, pagando de massa salarial quase R$ 1 milhão por dia. Aliás, este mesmo valor é o que pagam de impostos por dia. Estudo recente do economista Sergio Vale (MB Associados) mostra que entre 1986 e 2023 o PIB do Brasil cresceu 121% e o de Mato Grosso 782%, 6,4 vezes mais. As cidades com maior progressão do IDH são as agro-cidades. Para não cansar o leitor, estes são apenas alguns dos números que mostram que a produção e venda gera renda e possibilita a “distribuição de merenda”, ou seja, o fortalecimento do trabalho de sustentabilidade social.
O problema no Brasil é que esta visão de que é preciso gerar renda para ter distribuição sustentável de renda muitas vezes não está presente em parte das ideias e decisões dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que acabam constantemente atentando contra a geração de renda sem perceber que pode futuramente “faltar a merenda”. Para terminar com um exemplo recente: vejam a confusão que podem criar negando o marco temporal de 1988 na delimitação de terras para brasileiros que tem origem indígena, uma decisão que afetará investimentos internacionais, credibilidade, produção que deixará de existir, geração de PIB, exportações, entre outros... um verdadeiro atentado conta a geração de renda. E ainda tem o valor de indenizações que terão que ser pagas a proprietários de milhões de hectares produtivos e de imóveis urbanos, que poderão ser desapropriados, e isto o Estado não consegue pagar nem em 100 anos.
O Brasil precisa ser contaminado por uma mentalidade de geração de renda. Sem isto não teremos sustentabilidade social.
* Marcos Fava Neves é engenheiro agrônomo e professor das Faculdades de Administração da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, e da FGV, em São Paulo. Artigo publicado originalmente na edição do dia 21 de setembro da revista Veja e reproduzido com autorização do autor