Artigo: Por uma Alca mais transparente

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(*) Evaristo Machado Netto

Qualquer acordo firmado por um país deve levar em conta o interesse de toda a sociedade - seus agentes sociais, econômicos e políticos, com o objetivo único de preservar a autonomia da nação e o bem-estar dos cidadãos.

Utilizando o pretexto da complexidade de temas da Área de Livre Comércio das América (Alca), a discussão e as decisões acabam ficando reservadas a um determinado escalão da sociedade, quando o que deveria ocorrer é exatamente o contrário; ou seja, uma discussão ampla e transparente. A Alca vai afetar diretamente o dia-a-dia das pessoas e não se restringe aos produtos agropecuários, mas abrange relações de serviços de todos os países comprometidos com o bloco econômicos. Para se ter uma idéia da importância, é só dar uma olhada nos números: os 34 países que, em teoria farão parte da Alca, representam um comércio internacional de US$ 3,4 bilhões ao ano. Apenas os Estados Unidos, maior sócio da Área, tem PIB de US$ 10,5 trilhões, 20 vezes mais do que o PIB brasileiro. Esse gigante é também o maior mercado consumidor do mundo, e uma liberalização de suas rígidas normas de importação poderia descortinar horizontes até aqui inimagináveis para nossas exportações de aço, suco de laranja, carne ou café.

Antes de concretizar qualquer acordo, é obrigação e dever do Estado prestar todo esclarecimento à sociedade brasileira. Questionamentos como os que aparecem apenas hoje, por exemplo, sobre os modelos adotados de privatização e abertura de mercados, surgiram a tempo de serem apreciados, dando oportunidade ao cidadão de participar do processo. Ou, pelo menos, de saber como o acordo afetará sua vida. Essa precaução poderia evitar surpresas como a do consumidor que pagou a conta do apagão no ano passado, de quem desembolsa R$ 3,00 no pedágio para percorrer 10 km; ou do estudante que ansiava pela queda nos preços dos computadores.

O risco que corremos é que, na ótica das autoridades, todas as grandes decisões têm o rótulo de promover o crescimento econômico do país. Mas o que precisamos é de desenvolvimento e, como lembra o economista Argemiro Luís Brum, esses termos não são sinônimos. O Brasil, que poderá ostentar um superávit comercial de US$ 23 bilhões em 2003, graças ao agribusiness, nunca esteve em melhores condições para negociar uma adesão soberana à Alca e é um sócio que não pode ser descartado.
O mais importante para a população é saber se a Alca trará melhores condições de negociar nossas vantagens competitivas - temos mão-de-obra, mercado consumidor, área para produzir e recursos naturais, ingredientes indispensáveis ao crescimento. Em troca, necessitamos de capital para investir em infra-estrutura (saneamento básico, malha de transporte, portos etc), e garantir condições básicas para o desenvolvimento sustentável do país.

Para concluir, na condução das negociações da Alca não há lugar para radicalização, pois não devemos esquecer de que, assim como nós queremos a proteção do Estado, os cidadãos dos países que dividirão a Área de Livre Comércio conosco também a querem. O fato é que, a partir das negociações já realizadas, o processo continuará caminhando com todos os sócios. E em se tratando da harmonia dos interesses de 34 países, um pequeno avanço unânime é muito mais importante do que qualquer decisão unilateral.

(*) Presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp)

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