ALCA: O segredo é negociar

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Numa entrevista concedida ao jornalista José Edward, publicada na edição desta semana da revista Veja (nº 1824), Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, diz que é preciso ouvir o setor privado para chegar a uma Alca boa para o Brasil . Veja a seguir a íntegra desta entrevista:

O senhor se disse "encabulado" com a atuação dos diplomatas brasileiros na reunião da Alca em Trinidad e Tobago, que teriam agido, em suas palavras, de "forma rígida e intransigente"...

Rodrigues - Não entenda essa questão como uma briga minha com o Itamaraty. Não se trata disso. O que eu quis dizer e ficou mal-entendido foi que, em negociações internacionais, o país só é valorizado se se sentar à mesa com um discurso unificado que reflita o interesse nacional e não o de setores da economia ou de determinado ponto de vista ideológico. Nossas chances de vitória são maiores nos fóruns internacionais quando combinamos competência técnica com capacidade negociadora.

Se o Brasil tem como meta ser líder regional, não deveria ter um papel mais de negociação que de negação nas negociações na OMC e na Alca?

Rodrigues - Eu e outros ministros defendemos que essas negociações, por ser muito sensíveis, devem ser tratadas no âmbito da Câmara de Comércio Exterior, a Camex, que tem representantes dos ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, da Agricultura, do Planejamento, da Casa Civil e das Relações Exteriores. É indiscutível que o papel de negociar é do Itamaraty, mas as definições sobre a Alca têm de ser ditadas pelo governo brasileiro como um todo, e um bom fórum para isso é a Camex, sob a liderança do presidente da República. Para a reunião ministerial no próximo mês, em Miami, espero que nossa posição reflita a participação do setor privado e de outros órgãos do governo, além da do Itamaraty. Já conversei sobre esse assunto com o chanceler Celso Amorim para que em Miami adotemos o mesmo espírito de equipe que nos levou a uma vitória na reunião da OMC em Cancún.

Nas negociações da Alca o senhor não acha que está sobrando retórica e faltando competência técnica?

Rodrigues - Acho que a negociação em torno da abertura comercial é fundamental e deve ser tratada não apenas como uma questão pontual de governo, mas como algo que interessa a toda a nação. No caso específico da Alca, estamos diante do que pode vir a ser um grande negócio para o país, pois o livre-comércio certamente redundará na geração de empregos e no aumento da renda e da riqueza no país. Por isso defendo que nas negociações haja uma firme participação do setor privado, que, afinal, é o interessado direto nesse processo. Como presidente da Associação Brasileira de Agribusiness, criei uma assessoria técnica de altíssimo nível e - em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura e a Organização das Cooperativas Brasileiras - um fórum de negociações agrícolas internacionais. Através desses dois instrumentos sempre conseguimos chegar de forma rápida e eficiente a uma posição consistente sobre qualquer tema negocial que envolva o agronegócio. Agora, estou transportando essa experiência para o Ministério da Agricultura, aumentando o poder de fogo da competente equipe técnica que já existe lá.

Na reunião de Trinidad e Tobago, o Brasil ficou quase isolado, e mesmo parceiros tradicionais do país no Mercosul, como o Uruguai, nos deixaram de mãos abanando...

Rodrigues - A maior intransigência vem dos Estados Unidos. O Itamaraty reagiu duramente e com dignidade. Endurecemos porque os americanos endureceram primeiro. É vital entender que, nessa disputa, a bola está sendo tocada pelo adversário, e não por nós. Estamos apenas reagindo ao jogo deles. No ano passado, em Quito, no Equador, foi a primeira vez que os Estados Unidos colocaram com clareza que não discutiriam política de apoio interno a seus agricultores dentro da Alca antes de esse tema ser definido no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a OMC. Como os americanos não queriam colocar em pauta os subsídios agrícolas, pois esse é um tema sensível para eles, dissemos que também nos dávamos ao direito de protelar temas mais sensíveis para nós, como o da propriedade intelectual. É uma reação negocial óbvia. Foi aí que surgiu a idéia do que se chamou de "Alca light", que inicialmente discutia apenas os temas mais consensuais.

Afinal, o senhor é a favor de uma "Alca light" ou de um acordo mais abrangente?

Rodrigues - Sempre fui a favor de uma Alca abrangente e de uma abertura comercial ampla e imediata. É inegável que, se tivéssemos uma área de livre-comércio legítima, a agricultura brasileira teria uma vantagem enorme, pois somos muito competitivos nesse campo. Agora, como ministro, defendo uma abertura paulatina, sem tempestividade, pois, nesse posto, tenho de olhar o Brasil como um todo e sei que outros setores da economia nacional ainda não estão devidamente preparados para uma abertura rápida e irrestrita.

Por que outros setores da economia brasileira não alcançaram o mesmo desempenho do agronegócio?

Rodrigues - O sucesso do agronegócio no Brasil se deve basicamente a três fatores. O primeiro é que o Brasil tem características únicas, com vários tipos de clima, relevo e solo. Isso nos permite tocar uma grande variação de atividades rurais. Além disso, algumas instituições de pesquisa, como o Instituto Agronômico de Campinas e a Embrapa, conseguiram desenvolver tecnologias aplicáveis ao campo que nenhum outro país tropical tem. As influências da colonização européia nesse campo, sobretudo a italiana, bem como da japonesa, também foram fundamentais.

Estudo recente mostrou que o protecionismo do governo americano à indústria local do aço teve como efeito colateral um contingente de 200.000 desempregados nos Estados Unidos. Será que ao dar o subsídio o governo Bush estava defendendo o interesse nacional americano ou se rendendo a lobbies?

Rodrigues - Entre subsídios e outros tipos de políticas protecionistas, os países ricos concedem cerca de 320 bilhões de dólares anuais a seus agricultores. Isso dá quase 1 bilhão de dólares por dia - um dado alucinante que é indiscutivelmente fator inibidor de competitividade. Nos Estados Unidos há uma reação de bons economistas a essa farra de subsídios, principalmente porque eles são dirigidos mais para o grande do que para o pequeno produtor. Pelas contas do prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, cada produtor rural americano que enriquece com os generosos subsídios concedidos pelo governo gera 1.000 fazendeiros pobres na África e na América Latina, além de onerar setores competitivos da própria economia americana.

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