Uma reflexão sobre a crise no campo

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O agronegócio vive, há mais de dois anos, uma das maiores crises de sua história. Situação esta deflagrada por uma série de fatores, dentre os quais destacam-se os baixos preços do mercado interna, falta de políticas públicas para amparar o setor em época de crise, valorização do real frente ao dólar e as sucessivas quebras de safra por adversidades climáticas.


A cadeia do agronegócio que vai desde o fornecimento de insumos até o mercado consumidor tem enfrentado adversidades ano após ano. Para se ter uma dimensão da crise, no ano de 2004 o PIB do setor foi de R$ 563,89 bilhões, em 2005 caiu para R$ 537,63 bilhões e a última estimativa para este ano de 2006 é de R$ 527,54 bilhões. Uma queda acumulada nas últimas safras de R$ 36,35 bilhões, ou seja, 6,5% de retração.


Quanto ao Valor Bruto da Produção (VBP) da agropecuária brasileira, que engloba o setor de insumos, máquina e implementos, mais a produção para dentro da porteira (produção primária), experimentou uma redução de R$ 20 bilhões, passando de R$ 185,9 bilhões em 2004 para R$ 173,8 bilhões em 2005 e com estimativa de R$ 166,4 bilhões em 2006. São números que nos obrigam a refletir sobre a situação em que o setor vive no País.


Para complicar ainda mais, alguns dos principais setores do agronegócio sofreram forte golpe nas exportações. Um exemplo significativo é o do complexo soja. Nos nove primeiros meses de 2004, as exportações foram da ordem de US$ 8,7 bilhões, no mesmo período de 2005 foi de apenas US$ 7,6 bilhões e nos nove primeiros meses de 2006 totalizaram US$ 7,4 bilhões. Uma redução acumulada no período na ordem de 15%.


As reduções da participação, tanto da agropecuária como do agronegócio na economia brasileira se devem, em grande parte, à valorização do real frente ao dólar americano, à queda dos preços no mercado internacional e no mercado interno à quebra de safra ocorrida nas duas últimas temporadas. Se somarmos a quebra da safra 2004/2005 (18,0 milhões de toneladas) com a 2005/2006 (5,0 milhões de toneladas), o setor acumula uma redução de mais de 23 milhões de toneladas, o que equivale a quase uma safra anual de grãos do Paraná. Parte desta crise poderia ser amenizada com medidas simples, como por exemplo, a implementação do seguro rural a baixo custo, de fácil acesso à subvenção ao prêmio por parte do agricultor e, portanto, de grande alcance. A falta de agilidade do Governo Federal em operacionalizar a nova política de seguro rural acabou por ser uma das causas fundamentais para desencadear esta crise sem precedentes. Corroborando com este fato, as verbas destinadas ao PROAGRO nestas duas safras foram insignificantes diante da magnitude da agricultura brasileira.


Os baixos preços praticados no mercado interno devido ao câmbio, também foram fundamentais para a deflagração desta crise, especialmente em decorrência direta da política cambial do Governo Federal que pune o ímpeto exportador do agronegócio. A valorização do real frente ao dólar foi de cerca de 30%, entre a época de plantio da safra 2004/05 com a colheita da safra 2005/06.
Já as políticas de preços mínimos e de comercialização do Governo Federal não foram capazes de garantir renda ao agricultor. O volume de recursos não foi suficiente para manter os preços de mercado da agropecuária no mesmo patamar do mínimo estipulado. Os preços praticados no mercado interno de vários produtos importantes, como milho e trigo permaneceram insistentemente abaixo do mínimo ao longo das duas últimas safras, levando os produtores e agentes de mercado a desacreditar nas políticas de garantia de preços mínimos.


Este duro golpe na renda do produtor rural não foi sentido apenas por todos os elos da cadeia produtiva que se encontram antes e depois da porteira, mas também pelo comércio e pelo setor de serviços das cidades, provocando um efeito dominó no quesito renda e desemprego.


Algumas medidas foram adotadas pelo governo no sentido de amenizar esta crise. A renegociação das dívidas dos produtores foi importante para que estes tivessem possibilidade de continuarem desenvolvendo suas atividades. Porém no cerne das discussões estão as questões estruturais que afetam o setor, aos quais o Governo Federal ainda não implementou.


As medidas emergenciais tomadas para apoio ao setor rural contemplaram a prorrogação do pagamento da parcela das dívidas de crédito rural da safra 2004/05, que venceram em 2005 e parte das dívidas de custeio da safra 2005/06. Também foi permitida a renegociação da parcela das dívidas de investimento que venceu em 2006. O governo permitiu, ainda, o refinanciamento das parcelas das dívidas do Plano Especial de Saneamento de Ativos – PESA, da Securitização e do Programa de Revitalização das Cooperativas Agropecuárias - Recoop vencidas em 2005 e vencidas e/ou vincendas em 2006.


Para os produtores rurais que tinham dívidas junto aos fornecedores de insumos, o governo criou uma linha de crédito para que os mesmos renegociassem seus débitos para pagamento em até cinco anos.


O grande problema que ainda persiste é que nenhuma medida de médio e longo prazo foi tomada pelo governo. As crises no agronegócio são cíclicas e para evitar que elas se repitam há necessidade de se estabelecer mecanismos para evitar que os produtores sejam expulsos do campo por falta de renda e de competitividade. O custo para bancar os agricultores que abandonam o campo e vão para as cidades é muito maior do que o estabelecimento de políticas de apoio para que eles se mantenham na área rural produzindo e gerando renda e empregos.


Os produtores brasileiros querem recursos suficientes para plantio de suas safras. Pedem um programa de garantia de renda que depende de instrumentos tais como: seguro da produção e garantia de preço para sua produção. Redução da carga tributária incidente sobre as cadeias produtivas do agronegócio. Eliminação dos entraves que dificultam a importação de insumos agrícolas mais baratos do que os disponíveis no país. Alocação de recursos e estabelecer prioridade ao setor de pesquisa agropecuária. Voltar a investir no setor de defesa agropecuária brasileira. Apoio à agroindustrialização e à exportação de produtos da agropecuária.


A incerteza somente desaparecerá quando o governo implementar as medidas estruturantes reivindicadas pelos produtores brasileiros. Enquanto isso não acontece sofrem os produtores que não têm condições de continuar produzindo por falta de renda e sofrem os consumidores que por conta da escassez terão de pagar caro pelos alimentos consumidos.

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