Opinião: Cooperativismo e desenvolvimento

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Márcio Lopes de Freitas (*)

No momento quando o agronegócio se consolida como um dos principais motores do desenvolvimento econômico brasileiro, causam preocupações as recentes declarações do presidente do Incra, Rolf Hackbart, que associou o agronegócio à morte de trabalhadores rurais sem-terra no País. Fatos lamentáveis como o assassinato dos cinco sem-terra em Minas Gerais contribuem para aumentar a tensão em torno da questão agrária. Assassinatos, no campo ou na cidade, são questões policiais e a punição dos envolvidos deve ser exemplar. É lamentável, entretanto, associar um caso tão grave a um setor que representa 34% do Produto Interno Bruto (PIB) e responsável por 42% das exportações brasileiras. Mas o agronegócio não se traduz apenas em números. Falar em agronegócio é passar longe dos conceitos arcaicos de produção e especulação da terra. Terra improdutiva não gera emprego, desenvolvimento e divisas para o País.

O agronegócio gera e distribui renda, substitui relações ultrapassadas no campo e agrega valores na cadeia de produção nacional. Podemos citar o exemplo da laranja. Atualmente, cerca de 80% do suco de laranja consumido no mundo sai das lavouras ou das agroindústrias brasileiras. Outro destaque é o açúcar, cujas exportações este ano devem alcançar 14 milhões de toneladas - quase dez vezes mais do que em 1990. Na cadeia de negócios gerados pelo campo, não podemos esquecer a movimentação nos setores amparados pela agroindústria, como o de máquinas, defensivos agrícolas e transporte, só para citar alguns exemplos. São milhares e milhares de empregos gerados no campo e na cidade. O caminho para a paz definitiva no campo passa pelo diálogo entre todos os setores da sociedade e o desenvolvimento de modelos que promovam a justa distribuição de terra, aliada ao desenvolvimento econômico sustentável. Nós, cooperativistas, apoiamos e lutamos pela humanização nas relações no campo. No Brasil, 80% dos agricultores associados a cooperativas possuem áreas inferiores a 100 hectares, o que torna o cooperativismo porta de entrada da economia familiar no agronegócio.

Dados como esses comprovam que o agronegócio nada tem a ver com o conceito de latifúndio improdutivo ou violência no campo. Isso sem contar que o agronegócio termina por impulsionar o próprio pequeno produtor, na forma de fornecimento de gêneros alimentícios, por exemplo. Como diz o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o agronegócio começa na prancheta do pesquisador e termina nas prateleiras dos supermercados. Trata-se da soma de "todos os produtores rurais" e não há razão para separar do agronegócio a agricultura familiar ou o pequeno produtor. O desenvolvimento social se faz com crescimento econômico, geração de emprego e distribuição de renda. O cooperativismo, que substitui a competição pela cooperação, é um dos principais caminhos para esse desenvolvimento equilibrado da economia agrária. Trata-se da melhor maneira de promover a harmonia entre o social e o econômico porque permite a inclusão dos cooperados na cadeia de negócios a partir de uma produção diversificada e de alto valor agregado.

É claro que não se deve ignorar a importância social dos assentamentos de reforma agrária. Mas afirmações como a do presidente do Incra podem comprometer o consenso e o trabalho de décadas em favor da paz e obstruir um trabalho silencioso para garantir a permanência na terra e as condições de sustentabilidade do agricultor nos moldes econômicos atuais. Afinal, confundir uma questão de polícia com a produtividade rural, isto sim, é a volta ao reacionarismo, ao arcaico, ao coronel do sertão e às suas práticas injustas.

(*) Márcio Lopes de Freitas - Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)

Artigo Publicado em 29/11/04 na seção Cartas & Opiniões do jornal Folha de S. Paulo

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