ENTREVISTA: Transição para nova política econômica afetou PIB, diz Holland
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O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Márcio Holland, explica o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano por causa da transição do país para o que chama de "nova matriz macroeconômica". Essa matriz combina juro baixo, taxa de câmbio competitiva e uma consolidação fiscal "amigável ao investimento".
Entrevista - Nesta entrevista ao Valor, Holland, economista doutor pela Unicamp e com pós-doutorado da Universidade da Califórnia (Berkeley), diz que, num primeiro momento, a transição para a nova matriz traz custos para empresas e investidores, acostumados a operar sob a lógica curto-prazista, baseada em juros altos e câmbio apreciado. Na sua opinião, esse momento já passou e, agora, dada a nova matriz e com os estímulos criados pelo governo para o investimento de longo prazo, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) voltará a crescer de forma acelerada - 8% em 2013 e a um ritmo duas vezes o do PIB. "Os investidores, bancos, economistas, analistas em geral, estão revendo seus modelos de negócio."
Tripé - Holland argumenta que a nova matriz não substitui o tripé câmbio flutuante-metas para inflação-disciplina fiscal adotado pelo país em 1999, mas ele sustenta que as mudanças promovidas tanto na taxa de juros (Selic) quanto no câmbio eram aguardadas há tempos pelos agentes econômicos.
Valor: Por que depois de tantos estímulos monetários e fiscais o investimento não está reagindo?
Márcio Holland : Investimento e atividade econômica andam juntos. O processo de acomodação da economia, conduzido pelo governo para corrigir inflação e outros preços da economia entre 2010 e 2012, acabou afetando as expectativas dos agentes nessa transição. Isso era esperado. O que ocorre é que, a partir de um determinado momento, começamos a implementar um conjunto de medidas que têm a ver com a transição para uma nova matriz macroeconômica.
Valor: No que consiste essa matriz?
Holland : A primeira perna é a taxa de juros, que caiu 5,25 pontos percentuais no intervalo de 12 meses. Os agentes econômicos aguardavam esse ciclo de alteração da política macroeconômica. Com essa mudança, a estrutura de incentivos está sendo preparada para um ambiente de juros baixos. Os investidores, bancos, economistas, analistas em geral, estão revendo seus modelos de negócio. Há uma fase de transição.
Valor: Essa fase impacta negativamente o investimento?
Holland : Sim porque há uma alteração na estrutura de incentivos. A economia vivia numa estrutura curto-prazista. Isso está se alterando substancialmente para uma estrutura de longo prazo. Toma tempo, é uma transição. Temos chamado a atenção para o efeito riqueza negativo.
Valor: O que seria isso?
Holland : Quando a taxa de juros cai e o câmbio se corrige, há um efeito riqueza negativo. Isso ocorre porque os agentes estão carregados de títulos de curtíssimo prazo ou seus balanços estão um pouco, digamos, dolarizados. Essa correção de 'balance sheet' [balanço] é promissora. Trata-se de um fato histórico, raro, na economia brasileira. De toda forma, o efeito riqueza já foi dissolvido. As empresas se ajustaram. Passaram por uma fase de correção de estrutura de balanço em prol de prazos mais longos.
Valor: De que forma isso beneficia a economia?
Holland : Percebemos hoje o interesse dos investidores por debêntures, FDICs (Fundos de Direito Creditório), letras financeiras, letras de crédito imobiliário. Essa estrutura de incentivos está pronta. Não é instantânea, mas vem gradualmente.
Valor: Quais são os outros aspectos da matriz macroeconômica?
Holland : A segunda perna do tripé da nova matriz é uma taxa de câmbio mais competitiva, algo fundamental. Grandes economistas já descreveram a importância do câmbio para o investimento, a produção, o emprego e o crescimento. O terceiro aspecto da matriz é o que, internacionalmente, se chama de 'consolidação fiscal amigável ao investimento e ao crescimento'.
Valor: Do que se trata?
Holland : São as políticas fiscais anticíclicas que temos adotado, com redução da relação dívida-PIB de forma consistente e alongamento dos prazos de vencimento da dívida pública. Hoje, o prazo médio da dívida está em torno de quatro anos. Há pouco tempo, era dois anos. A relação dívida líquida-PIB está convergindo para 35% neste ano, enquanto em muitos países está acima de 100%. Estamos usando os espaços fiscais criados para promover intensa desoneração do investimento e da produção. Programamos R$ 45 bilhões em desonerações em 2012. Só na conta de desoneração da folha, estão previstos R$ 15 bilhões no próximo ano.
Valor: Embora algumas desonerações, como a do IPI, não sejam permanentes.
Holland : A desoneração da folha é permanente. Estamos desonerando 41 setores a partir de 2013 e beneficiando mais de 50 mil empresas, que representam aproximadamente 50% das exportações de manufatura.
Valor: A nova matriz macroeconômica substitui o tripé de política econômica que vigora desde 1999?
Holland : Em hipótese alguma! Tudo está sendo feito, respeitado o regime de metas para inflação. Vale lembrar que esse regime prevê inflação no centro da meta com uma banda de tolerância, e essa banda pode ser usada quando ocorrem choques de oferta. O regime de metas tem dado resultados muito importantes. Desde 2006, a inflação está dentro dos intervalos fixados pelo governo. Além disso, tenho insistido que a variabilidade mensal da inflação caiu consistentemente.
Valor: Em que proporção?
Holland : Até 2003, a inflação oscilava entre menos 0,5% e 2,5% ao mês. A partir de 2004, começou a oscilar entre 0,4% e 0,5%, com pequenos desvios em relação a esse intervalo. Isso é muito importante para o sistema econômico porque a inflação não só está dentro das metas anunciadas como está mais estável. O Robert Lucas [Prêmio Nobel de Economia de 1995] considerava a incerteza inflacionária algo importante para decisões muito severas do banco central. Inflação estável dá segurança em termos de previsibilidade.
Valor: Mas a inflação brasileira não é muito alta e, por isso, menos previsível?
Holland : Cada país tem uma característica. Estamos falando de um país que está promovendo grande expansão do seu mercado, não só consumidor, mas de investimento doméstico. Estamos numa fase de expansão muito forte do investimento.
Valor: Mas como, se a Formação Bruta de Capital Fixo cai desde o primeiro trimestre de 2011?
Holland : O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos. De 2004 até 2011, o país está entre os cinco com maior acúmulo de crescimento do investimento. Em relação ao PIB, a FBCF cresceu, nesse período, quase três pontos percentuais. A média anual de avanço no mesmo período foi superior a 6%, enquanto em muitos países houve recuo. Temos uma dinâmica muito própria de crescimento do investimento, associada à expansão de classes sociais por causa de programas de inclusão muito importantes, como o de transferência incondicional de renda. Não estou me referindo a consumo, mas ao investimento com consumo porque acho um falso dilema falar de uma coisa ou de outra. Poucos países estão vivendo isso, o que dá um dinamismo à economia que afeta a estrutura de preços...
Valor: E torna a inflação mais alta?
Holland : Inflação mais alta é algo relativo. Hoje, os economistas sabem que é bom tomar cuidado com inflação muito baixa.
Valor: Por quê?
Holland : Porque taxas de inflação muito baixas levaram os bancos centrais a terem taxas de juros muito baixas, que, por sua vez, geraram estímulos à formação de bolhas de ativos. Esse tema, sobre qual é a taxa de inflação ideal, é controverso.
Valor: Mas, em todo caso, a inflação brasileira é alta se comparada à média dos emergentes (3%).
Holland : Dá para comparar? Cada país tem uma característica e está numa fase de desenvolvimento diferente. Gosto quando o Dani Rodrik [professor da Universidade de Harvard] diz que "o mesmo tamanho não serve para todos".
Valor: O senhor acredita ser possível sustentar a taxa de juros no patamar atual. Por quê?
Holland : Os investidores têm capacidade de calcular e fazer análise de retorno 12 meses à frente porque sabem muito bem que as taxas são altamente sustentáveis. Os juros não voltam aos níveis anteriores. Esta é a expectativa de todos os analistas. O importante é que já há um alinhamento dessa taxa a incentivos claros ao investimento e à produção. O custo de oportunidade do curto-prazismo foi desmontado e dissipado. Já o custo de oportunidade de se deslocar para o médio e o longo prazos é muito interessante. Tanto é que já se vê uma expansão em emissões de dívida corporativa, algo que agora faz sentido porque, na empresa, não preciso rodar minha sobra de tesouraria no curtíssimo prazo. Posso pensar em usar essa sobra para alavancar investimento, modernizar meu parque produtivo, emitir FDIC, debêntures. Estamos, ao mesmo tempo, consolidando a nova matriz macroeconômica e os incentivos ao longo prazo.
Valor: Por exemplo?
Holland : Fizemos a Lei 12.431, que dá incentivos à emissão de debêntures para investimentos em infraestrutura. O ministro Guido Mantega já anunciou a extensão disso para FDICs, um mercado promissor. O mercado informou que há R$ 120 bilhões em projetos de investimento do governo elegíveis a essas emissões. Independentemente de qualquer outra taxa de juros no futuro, as taxas de juros de hoje no país são fundamentadas.
Taxas de inflação muito baixas levaram os BCs a juros muito baixos, que, por sua vez, geraram bolhas de ativos."
Valor: Por que tanta certeza?
Holland : Porque a inflação no Brasil se acomoda com capacidade impressionante. Há 13 meses, estava acumulada em 7,31%. Os analistas falam agora em 5,5% para este ano, num cenário de choque de preços...
Valor: Mas com a economia crescendo muito pouco, perto de 1%.
Holland : Não creio que esse fator seja tão relevante. Essa relação [entre crescimento e inflação] não é de curtíssimo prazo, mas de médio e longo prazo. Essa associação é meio anedótica. Nenhum economista sério associaria uma coisa à outra. Só para fazer o contrafactual: o Brasil cresceu 7,5% em 2010 e a inflação estava caindo.
Valor: Mas O IPCA em 2010 subiu para 5,9%.
Holland : Ocorre que, no segundo semestre de 2010, houve uma alteração de preços de commodities muito acima da queda no primeiro semestre. Isso emendou com choques de oferta domésticos, como o do etanol e de produtos hortifrutigranjeiros. Quando esse processo se dissipou, a inflação voltou a cair. Isso mostra a capacidade da inflação brasileira de se acomodar no centro da meta.
Valor: As empresas sempre aproveitaram a apreciação do real para importar máquinas e equipamentos mais modernos e baratos. Com a mudança no câmbio, o governo não eliminou esse ganho?
Holland : O consumo de bens capital no Brasil funciona assim: 50% são importados e 50% são produzidos domesticamente. Isso não se alterou com a desvalorização do real. Hoje, a relação talvez esteja em 40-60, mas no ano que vem estará em 50-50 novamente. Nenhum país produz bem de capital em sua totalidade para o consumo doméstico. Não há escala suficiente. Além disso, estamos falando de uma taxa de câmbio que foi corrigida para um nível que não afeta o custo de importação dessas máquinas.
Valor: Como não?
Holland : Porque o cenário internacional é de redução de preços de bens de capital, até por causa do excesso de oferta. Há uma compensação.
Valor: Dá para superar o fato de que existe uma tendência de apreciação de longo prazo da moeda brasileira, uma vez que o país é exportador líquido de produtos primários e tem baixa poupança?
Holland : Desde a adoção do câmbio flutuante pelo Brasil em 1973 [fim do padrão ouro], o câmbio real efetivo não mostra tendência de apreciação. O que há são movimentos num determinado período, mas historicamente os econometristas chamam a taxa real de câmbio no Brasil de estacionária. Ela flutua em torno de uma constante.
Valor: Com o pré-sal, o Brasil deve se tornar grande exportador de petróleo. Isso não cria tendência de apreciação do real no longo prazo?
Holland : Você está falando de 'dutch disease' (doença holandesa). Isso ocorreu em países que não tinham boas instituições. Não é o caso do Brasil. O país é extremamente democrático, tem estabilidade política, regras. Vai saber usar e amortecer os recursos, trazer a valor presente esses fluxos no tempo por meio de fundos, da aplicação em educação, o que acabará mitigando os efeitos sobre a economia.
Valor: Como o senhor reage à crítica de que o investimento ainda não se recuperou porque os empresários estariam temerosos com o excesso de intervenção do governo na economia?
Holland : O empresário brasileiro não está com medo. Quem está com medo são aqueles que faziam aplicações financeiras de curtíssimo prazo no Brasil; aqueles que tinham concessões com tarifas e margens muito altas; os especuladores em geral. Não temos espaço para essa atividade daqui para frente. Temos conseguido feitos históricos, como a redução dos juros e o desincentivo da atividade especulativa.
Valor: Os especuladores não têm seu papel?
Holland : Tenho que reconhecer que a atividade especulativa, como diria o próprio Keynes, é fundamental para o investimento. Ela dá liquidez aos investimentos, é importante, por exemplo, para dar hedge a agricultores e exportadores. Não questiono isso, mas a atividade especulativa pura e simples, como a de apropriar uma renda produzida no país e depois sair, sem gerar nenhum efeito produtivo para a economia. Estamos trocando esses investidores.
Valor: De que forma?
Holland : Trazendo investidores para grandes projetos no Brasil. Certamente, isso mexe no status quo de alguns poucos, que fazem muito barulho. Montamos uma estrutura, ao longo desse período de transição para a nova matriz macroeconômica, de investimento público, novas concessões e estímulo ao investimento do privado, com redução de custos em vários níveis. Isso nos faz acreditar que a taxa de investimento crescerá daqui em diante, em média, duas vezes a velocidade do PIB. E a estrutura do investimento público está pronta.
Valor: O investimento público não está crescendo abaixo do esperado?
Holland : Neste ano, está crescendo 23%, até outubro, em relação ao ano passado - R$ 50,9 bilhões, face a R$ 41,4 bilhões. Os desembolsos do PAC, no mesmo período, cresceram 27,7%. O investimento público total, incluindo o de Estados e municípios, saltou de 4% para 4,4% do PIB em 2012. Junte-se a isso o programa de concessão de rodovias e ferrovias, um dos maiores do mundo, com previsão de investimento de R$ 133 bilhões, sendo que R$ 80 bilhões nos próximos cinco anos. Há ainda o programa de portos, com previsão de R$ 54,2 bilhões até 2016 e o aperfeiçoamento do marco regulatório para aumentar a presença do setor privado. Tudo voltado para reduzir custo, aumentar a eficiência e a competitividade da economia.
Valor: Em 2012, o governo não cumpriu a meta de superávit primário. Esse programa de investimento público não impedirá que a meta de 2013 também seja cumprida?
Holland : Em hipótese alguma. A política fiscal tem sido anticíclica. Há um efeito adicional: a cada ano, a base de arrecadação tem crescido por causa do aumento considerável da formalização do mercado de trabalho. A desoneração da folha favorece esse processo porque, agora, o custo do trabalho é menor. A inclusão social também ajuda. No ano que vem, voltamos à meta de superávit cheia, sem desconto [3,1% do PIB]. (Valor Econômico)