ARTIGO: Da semente ao prato; a importância das cadeias produtivas no agro
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*Marcos Fava Neves
Na primeira coluna "Mundo Agro", na Veja, nós entendemos o conceito de agronegócio, demonstrando o porquê o termo refere-se a algo maior do que a agricultura, já que engloba, além da atividade de produção primária, todos os setores que estão antes das fazendas e após as fazendas, bem como os facilitadores e prestadores de serviços. Existe outro conceito ou pilar fundamental a ser explicado para que, nos próximos textos, possamos seguir avançando com assuntos interessantes ao leitor; é o conceito de sistema ou cadeia agroindustrial (ou agroalimentar). Você sabe a diferença? O que é maior: o agro ou uma cadeia agroindustrial?
Enquanto o conceito agro nasce em 1957, com John Davis e Ray Goldberg (Harvard), o conceito de sistema agroindustrial nasce também com Goldberg, só que em 1968. O de cadeia agroindustrial (filiere agroalimentaire) vem da literatura francesa do final dos anos 70. Apesar de pequenas diferenças entre os dois, tratarei aqui como sinônimos. Ambos significam o fluxo de um produto, desde o setor de insumos, passando pelas fazendas, eventuais processos de industrialização e distribuição, até chegar ao consumidor final. Ou seja, toda vez que falarmos em cadeia ou sistema, temos que falar de um produto específico, tal como a cadeia do café, da laranja, da celulose, do fumo, do frango, da batata, da mandioca... desde a semente até o consumidor!
Isso nos faz entender, portanto, que o agro é muito mais amplo do que uma cadeia agroindustrial, pois é a somatória de todas as cadeias que operam num país (ou região). As cadeias do feijão, da cana-de-açúcar, da mandioca, da soja, do peixe - entre outras - somadas, formam o agronegócio brasileiro. Com isso, podemos afirmar que o setor está associado a uma região, enquanto a cadeia está associada a um produto. Alguns exemplos para o entendimento: no agro, temos o agro mundial, agro do Brasil, agro argentino, agro de Goiás, agro do Sudeste, entre outros; e nas cadeias, a cadeia da cana, do algodão, do arroz e por aí vai.
Se o agro se limita a um país ou a uma região, uma cadeia pode extrapolar a fronteira geográfica. Um dos casos mais emblemáticos do Brasil é a cadeia do suco de laranja. Ela fascina por levar um produto perecível desde o interior de São Paulo até o gole de um polonês. De cada 10 copos de suco tomados pelos europeus, 9 vem do Brasil, que domina 80% do mercado mundial.
A cadeia começa na pesquisa para novas variedades de plantas (buscando, por exemplo, resistência a pragas, doenças, adaptações ao clima e estresse hídrico), passa pela a produção de mudas, defensivos, fertilizantes, máquinas, equipamentos, colhedoras, equipamentos de segurança - entre outros - chega as fazendas produtoras de laranja, e depois seguem para as indústrias que fazem o suco (e os outros subprodutos como óleos para aromas e o bagaço para alimentação animal) e, após isso, ocorre o transporte e distribuição até que o produto chegue ao consumidor final. Como mais de 90% do suco é exportado, o leitor está acostumado a ver, passando pelas nossas rodovias, os caminhões-tanque dedicados que levam suco até terminais no Porto de Santos, principalmente com as marcas da Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Company (LDC).
O suco é embarcado em navios-tanque específicos (são cerca de 15) que levam duas semanas até a Europa ou 35 dias até a China. Ao chegarem, desembarcam o suco em terminais, onde caminhões são carregados e trafegam pelas rodovias locais até chegarem aos engarrafadores, os quais diluem, embalam e vendem nos supermercados ou restaurantes com suas marcas ou com marcas dos próprios supermercados.
E este processo todo gera e distribui renda? A cadeia da laranja traz ao Brasil, dos consumidores de suco do planeta, cerca de R$ 10 bilhões por ano e, apenas com a colheita das frutas, são 50 mil pessoas envolvidas, recebendo anualmente cerca de R$ 1 bilhão em salários. Apesar de complexo, o caminho que se faz ao longo de uma cadeia produtiva gera oportunidades e desenvolvimento.
* Marcos Fava Neves é engenheiro agrônomo e professor das Faculdades de Administração da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, e da FGV, em São Paulo. Artigo publicado originalmente na edição do dia 24 de agosto da revista Veja e reproduzido com autorização do autor