Aposta na supersafra

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A safra brasileira de 2004/05 deverá crescer até 12%, para 134 milhões de toneladas de grãos, caso se confirme a previsão divulgada pelo IBGE. É que o tempo chuvoso, embora incômodo para as pessoas, é bom para a agricultura, favorecendo o desenvolvimento das culturas de verão, com destaque para o milho e soja. Em paralelo, o rebanho de gado nacional subiu para 195 milhões de cabeças, com produtividade maior, gerou 7 milhões e exportação de 1,5 milhão de toneladas de carne – tornando o Brasil o principal produtor mundial de carne bovino.

Mas enquanto as perspectivas de produção são boas, o lado econômico poderá não corresponder – reconhecem especialistas no setor, inclusive o ministro da Agricultura. Assinalando que 2005 poderá trazer “um universo desagradável para as principais commodities agrícolas”, o ministro Roberto Rodrigues prevê redução de preços na soja, milho, arroz, trigo e algodão. O professor Fernando Homem de Mello, da Universidade de São Paulo, faz a mesma avaliação; e o consultor José Roberto Mendonça de Barros alinha como fatores negativos a queda dos preços no mercado internacional após o recorde histórico do primeiro semestre de 2004, a turbulência do petróleo e siderúrgicos que elevaram custos de produção e fatores internos (piora nas estradas e portos, valorização do real, menor disponibilidade de crédito rural, etc.).

Se para os grãos o cenário é desfavorável, há melhores chances para o café, laranja e o complexo açúcar/álcool. De toda forma ainda é cedo para dimensionar as perdas do campo, valendo esperar janeiro e fevereiro, quando se definem o volume da safra dos Estados Unidos e as lavouras do Mercosul – além do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Até lá, é esperar que os preços, hoje em queda, se recuperem à medida que a tendência baixista ceder lugar a outros componentes: normalização do mercado de petróleo, definição da linha dos Estados Unidos no segundo mandato Bush, etc.

A realidade é que os sojicultores já reduziram a aquisição de insumos e equipamentos, pressionando a indústria de tratores e máquinas agrícolas. Não obstante essa redução do pacote tecnológico, os produtores terão neste ano um custo adicional, representado pela disseminação da ferrugem asiática, cujo fungo já apareceu em cultivos precoces do Paraná, com condições propícias de expansão devido ao clima úmido. Ao calcular uma safra de grãos de 134 milhões de toneladas, o IBGE projeta uma colheita de soja de 63 milhões de toneladas, superior aos 51,5 milhões de toneladas da safra anterior; o que nos aproximaria do produtor-líder, os Estados Unidos – que saltou de 66 milhões em 2004 para uma estimativa de 84 milhões de toneladas. De forma desconcertante, contudo, o anúncio da supersafra norte-americana ajudou a desencadear da retração de preços, ao lado do comportamento dos chineses ao devolverem carregamentos de soja sul-americanos sob alegação de impurezas.

Mesmo sujeita a revisões, a previsão do IBGE aproxima o Brasil da barreira dos 130 milhões de toneladas de grãos, perseguida desde 2003. A meta impulsiona os produtores porque a agricultura é assim mesmo: anos ruins se seguem a anos bons – avalia o consultor Mendonça de Barros. Aos governos cabe fazer sua parte: manter a economia estabilizada em termos cambiais para que o esforço do produtor seja traduzido em renda, menor, porém efetiva; melhorar a logística para escoamento das safras e recepção dos insumos e, sobretudo, garantir a ordem no campo – tarefa indelegável do poder público.

Esse amparo ao agronegócio é devido não só porque com seu ímpeto modernizador o setor hoje impulsiona a economia e o comércio exterior, mas pelo princípio constitucional de respeito à propriedade. Por outro lado, países com nossa extensão e diversidade devem operar a agricultura bimodal em que o segmento de escala é complementado pela produção familiar, que no Paraná também se modernizou, ao apostar na diversificação, no associativismo e, principalmente, no empreendedorismo.Editorial do Jornal Gazeta do Povo, publicado em 30/11/04.

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