Um voto solitário * Osmar Dias
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Ao longo de sete anos de presença no Senado Federal, no plenário e nas várias comissões que integrei e presidi, e mesmo nos inúmeros eventos alguns deles internacionais - a que compareci como representante credenciado pela Casa, tive a oportunidade de participar de exaustivos processos de análise dos mais variados temas políticos, econômicos, sociais e culturais,que fazem o dia-a-dia de um membro do Parlamento.
Em todas as contingências a que fui convocado a dar minha contribuição, qualquer que fosse meu posicionamento, a favor ou contra, sempre agi em conformidade com minha consciência de homem público, conhecedor de meus direitos e obrigações, jamais me afastando do ideal de colocar como baliza o interesse da maioria. Confesso, a contragosto, que nem sempre foi esta a disposição que percebi em alguns de meus pares.
Recentemente, o Senado realizou sessão especial dedicada ao Dia Mundial da Alimentação, evento instituído pela FAO em 1945, sobretudo, com o objetivo de ampliar o debate desta que é uma das mais angustiantes chagas morais da humanidade, de vez que em nossos dias o número dos que vivem na miséria-chega a 1,3 bilhão de pessoas.
No Brasil, um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais e com um potencial agropecuário invejável, apesar da polêmica que se estabeleceu em torno do número exato, cerca de 44 milhões de patrícios vivem abaixo da linha da miséria, ou seja, com renda diária inferior a um dólar. A bem da verdade, uma perspectiva de vida em que comer todos os dias transformou-se numa possibilidade bastante remota para a maioria absoluta desse contingente de excluídos. Enquanto o governo procrastina as medidas que deveria tomar para minorar o quadro da fome crônica - que mata uma criança a cada dois minutos , alguns de seus servidores mais categorizados se envolvem numa discussão acadêmica em torno do número real dos nossos miseráveis.
O flagelo responsável por maior número de mortes que as guerras e atentados terroristas, malgrado seu rastro de destruição, parece não impressionar o espírito cauterizado dos plutocratas e da multidão de servidores que lhes fazem a vontade, como se as mazelas sociais pudessem evanescer como a névoa das manhãs.
No mesmo dia em que a FAO chamava a atenção dos governos do mundo para a questão da fome e, particularmente, no Brasil, um grupo mostrava sua disposição de trabalhar para o desenvolvimento de ações proficientes visando dotar o País de uma política de segurança alimentar, o Senado que dedicou a sessão ordinária ao Dia Mundial da Alimentação, deu um pouco mais de alento aos cidadãos que ainda não perderam a capacidade de se indignar. Na ocasião,-já no encerramento dos trabalhos, com o solitário voto contra e a irrestrita indignação de quem subscreve essas linhas, e com a concordância dos demais senadores presentes à reunião, foi aprovado o projeto de resolução que autoriza o Departamento de Viação e Obras Públicas, autarquia do governo de Mato Grosso, a assinar aditivo contratual com o Banco do Brasil, no valor de-R$ 4,3 milhões.
Trata-se de operação de refinanciamento de dívida vencida em 1997 (R$ 27 milhões), relativa a repasse de recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste ao citado governo. A medida fez com que o saldo devedor tivesse-desconto de 80% do valor devido, inclusive sem a cobrança de multas e juros de mora. É inacreditável tamanha liberalidade com recursos públicos, sempre-escassos ou inexistentes quando se discute a adoção de políticas públicas para erradicar a miséria, para melhorar o atendimento da saúde e da segurança, ou para a concessão de reajustes ao funcionalismo público.
O desconto é tão ou mais injustificável, na medida que nenhum tomador de recursos do citado fundo (agricultores e empresários de modo geral), gozou o benefício dado a Mato Grosso. Tampouco é de conhecimento público que no País alguém tenha sido beneficiado por descontos dessa magnitude.-O que impressiona mais ainda é que, mesmo sabendo que o Banco do Brasil arcará com o prejuízo de R$ 24 milhões, os Senadores não se perturbaram. Aprovaram sem hesitar o desconto de R$ 24 milhões.
São as concessões sucessivas, a omissão e a conivência com a irresponsabilidade de governantes que não consideram o futuro dos brasileiros é que estados são conduzidos para o caos financeiro e a sociedade para o empobrecimento.
São os mesmos governantes que acham normal e aceitam sem reagir que o Brasil seja condenado a pagar, só de juros, R$ 141 bilhões em 2002 e tenha previsão para investimentos de apenas R$ 9 bilhões.
Apesar da carga de irresponsabilidade e desleixo no trato dos recursos públicos, o episódio é emblemático do equivocado modelo administrativo implantado no País pelos herdeiros da máxima que é preciso mudar, para que tudo fique rigorosamente igual.
* Osmar Dias-PDT/PR é senador da República pelo Paraná.