TRANSPORTES: Plano para novas ferrovias depende de trilho importado
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O governo brasileiro planeja transformar as ferrovias no principal motor do transporte nacional no futuro, mas, apesar disso, não fabrica trilhos e é obrigado a importar, todos os anos, centenas de toneladas do material da Ásia e do Leste Europeu. Essa deficiência na cadeia produtiva do setor, que já era uma pedra no sapato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tende a causar um desconforto ainda maior para o governo Dilma Rousseff, que tem nas mãos a meta de tocar o plano mais ambicioso do segmento dos últimos 40 anos.
Custo - Com a retomada da Valec, estatal que lidera a abertura de novas estradas de ferro pelo país, o governo tem sentido na pele o custo pelo abandono que o setor ferroviário viveu entre as décadas de 80 e 90. O preço é alto. A estatal acaba de colocar na rua um edital para compra de 244,6 mil toneladas de trilhos. A licitação, dividida em vários lotes, tem orçamento total de R$ 807,2 milhões. Serão adquiridos, de uma só tacada, 1.711 km de trilhos de aço, o que daria para ligar São Paulo a Palmas, no Tocantins. Tudo chegará ao país transportado por barcos chineses ou por companhias do Leste Europeu, onde estão concentrados os grandes fornecedores desse material.
Ferrovias - Desse total de trilhos importados, 1.044 km ficarão na Bahia, onde será iniciada a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), partindo de Ilhéus, no litoral, até Barreiras, na fronteira com o Estado de Tocantins. A previsão é e que até o fim de 2012 seja concluído o trecho entre Ilhéus e Caetité, no semi-árido baiano, chegando a Barreiras em 2013. Os demais 667 km de trilhos vão ser usados para construir o trecho sul da Ferrovia Norte-Sul (FNS), partindo de Ouro Verde, em Goiás, até Estrela D'Oeste, em São Paulo, com previsão de conclusão para dezembro de 2012.
Impostos - Sem produção local, o caminho encontrado pelo governo para estimular o setor foi a retirada de impostos para a importação do material. As barras de aço que hoje entram no país são isentas de Imposto de Importação, ICMS, PIS e Cofins. Mesmo assim, o preço médio da tonelada de trilho importado em 2010 ficou em US$ 864, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), enquanto a tonelada de minério de ferro exportada pelo Brasil ficou na casa dos US$ 130.
Fabricação nacional - "Já tentei de tudo para induzir a fabricação de trilhos no Brasil, mas as empresas não se animaram. Acho essa situação um absurdo, o certo é produzir aqui", diz José Francisco das Neves, presidente da Valec. "Continuo conversando com empresários sobre esse assunto, mas por outro lado, não podemos mais esperar. O setor está muito atrasado. O que estamos construindo hoje já devia estar pronto há muito tempo."
Importação - A retomada dos projetos ferroviários está estampada no volume de importação dos trilhos. Em 2009, as concessionárias e a Valec gastaram US$ 170,1 milhões com a importação de 147,2 mil toneladas de barras de aço. No ano passado, com a queda de preço, o volume mais que triplicou, saltando para 496,4 mil toneladas. Foram gastos US$ 429 milhões com os trilhos.
Vagões de cargas - Não são apenas os projetos de expansão das estradas de ferro do país - que hoje somam 30 mil km de malha - que evidenciam a fase de crescimento do setor. O balanço feito pela Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) mostra que, em 2010, a produção nacional de vagões de carga atingiu 3.300 unidades, contra 1.022 vagões montados em 2009. "Para este ano, a previsão é que o setor compre mais 5 mil vagões, ou seja, voltamos ao ritmo pré-crise de 2008, quando foram comprados 5.118 vagões", diz Vicente Abate, presidente da Abifer. Puxado até agora pelo setor privado, o cenário também é estimulante para a produção de locomotivas. O volume de 22 máquinas fabricadas em 2009 saltou para 65 em 2010 e neste ano deve superar 100 locomotivas. O número de vagões de passageiros fechou 2010 com 421 carros e deve atingir 450 este ano. Num cenário de médio prazo, até 2019, comenta Abate, o mercado brasileiro vai produzir 40 mil vagões de carga, contra 28,2 mil da década passada.
Crescimento - Se o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), criado pelo Ministério dos Transportes, for cumprido, até 2025 a rede ferroviária atual, de 30 mil km, vai crescer em mais 20 mil km. A Valec, que planeja a construção de 9 mil km de linhas nos próximos anos, tem tudo para turbinar ainda mais o setor. Desde 2007, quando foi ressuscitada, até 2010, a estatal já gastou cerca de R$ 550 milhões com 1.350 km de trilhos. Outros projetos já em andamento, incluídos na segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), somam mais 3.757 km. O desconforto, diz Neves, presidente da empresa, é saber que nada disso será produzido no Brasil. "Não temos alternativa, o jeito é importar." (Valor Econômico)