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A Alca como ela é

(*) Marcos Sawaya Jank

O principal resultado da aprovação da Autoridade para Promoção Comercial (TPA), a lei que permite ao Executivo norte-americano negociar novos acordos comerciais, é que ela vai dar grande impulso à "máquina negociadora" dos EUA. Apesar das restrições do mandato, o negociador americano está agora livre para avançar a sua agenda na OMC, na Alca e em outros acordos pluri ou bilaterais. Dentre as possibilidades à sua mão, as mais de 500 reuniões de governos já realizadas sobre a Alca colocam essa negociação no topo das prioridades de curto prazo dos EUA.

Enquanto isso, no Brasil poucas coisas têm sido tão mistificadas quanto a Alca. Uns dizem que ela representaria a inevitável "anexação" do Brasil aos EUA. A CNBB e o MST convocam um plebiscito para setembro, para recusar antecipadamente um acordo inexistente. Os raros entusiastas mandam copiar o exemplo do México no Nafta. Abaixo, os dez pontos que considero essenciais para um debate racional

sobre a questão:

1. Resistência prematura. As maiores resistências à Alca encontram-se nos EUA, no Brasil e em países pequenos que não querem perder suas preferências comerciais. O acordo, no entanto, só será definido em 2004, ao cabo de negociações co-presididas por Brasil e EUA. Quem fala em "anexação" revela total desconhecimento das enormes resistências à Alca nos EUA. Por isso mesmo, não faz sentido falar em "plebiscito" antes de se chegar a um acordo.

2. Capacidade negociadora. A sociedade brasileira vive um debate muito mais intenso sobre a Alca do que o que ocorre nos demais países americanos. Mas a "máquina negociadora" dos EUA funciona com muito maior eficiência, principalmente de posse do TPA. A coincidência dos três fóruns - Alca, UE e OMC - é uma oportunidade histórica única que exige que a sociedade brasileira defina os seus interesses com clareza e obtenha um resultado ótimo no conjunto das negociações.

3. Custo da não-participação. O Brasil precisa avaliar o custo da não-participação no bloco. As Américas representam 70% das exportações industriais o Brasil, em grande parte como resultado de tarifas preferenciais que o Brasil negocia na região desde os anos 1960. Se, no lugar da Alca, surgirem acordos alternativos sem a presença do Brasil, os desvios de comércio e investimentos podem ter custos elevados. Assim, o interesse nacional condena o País a negociar, mas não a aceitar qualquer resultado.

4. Alternativas atuais. A única alternativa à Alca no momento é o incerto acordo entre a União Européia (UE) e o Mercosul. Não vejo diferenças importantes entre os nossos interesses dos dois lados do Atlântico Norte, muito menos na forma como EUA e UE vêm tratando o Brasil. Há pouco interesse e capital político investido na matéria e total intransigência em questões-chave, como a abertura da agricultura. Os objetivos do Brasil são os mesmos em todas as mesas: amplo acesso aos grandes mercados consumidores, atração de investimentos diretos, obtenção de regras de comércio mais justas e redução dos subsídios agrícolas. Teoricamente, ambos os processos podem produzir acordos balanceados satisfatórios, sobretudo se combinados às negociações na OMC, mas ainda estamos longe disso.

5. Alternativas potenciais. As barreiras atuais - Lei Agrícola, TPA e salvaguardas do aço - forçam o Brasil a tentar abrir outras frentes de negociação, a começar pela consolidação do espaço sul-americano. Quanto mais frentes amplas e ambiciosas for possível abrir, melhor. A Ásia, por exemplo, é um mundo a ser explorado, principalmente na agricultura e nos produtos alimentares.

6. Regras do jogo. A Alca será uma zona de livre comércio. Portanto, o objetivo será eliminar as tarifas intrabloco. Em artigo anterior (16/4)salientei que o Brasil não pode aceitar listas de exceção, porque perderia uma dezena de tarifas pontuais altíssimas - principalmente dos EUA e do Canadá - que atingem os produtos mais competitivos do País. A essência do processo negociador ocorre na troca de proteções relativas, e aí tem de prevalecer o interesse maior do País como um todo, e não o interesse individual de setores que ganham ou perdem com o bloco. Outro aspecto importante é que não se podem esperar mecanismos compensatórios dos países mais ricos para com os mais pobres, como ocorreu dentro do mercado comum europeu. Trata-se de processos integrativos totalmente distintos. Tampouco haverá livre trânsito de trabalhadores na Alca, como não há no Mercosul.

7. Mercosul. Até aqui o Mercosul teve um papel fundamental como elemento de fortalecimento de nossa posição nas negociações. No entanto, tudo pode mudar se o bloco regredir a uma zona de livre comércio ou menos do que isso, com o desmantelamento da Tarifa Externa Comum e o crescimento da desarmonia macroeconômica na região.

8. Lições de casa. O acordo da Alca ou com a UE obriga o Brasil acompletar as tarefas pendentes: reforma tributária, redução dos juros e melhoria da infra-estrutura. As negociações são combustível importante para fazer essas reformas avançarem.

9. Agressividade. O jogo negociador é feito de bons estudos de impacto, publicação das barreiras comerciais dos outros, clareza sobre os interesses e melhores barganhas de longo prazo, ameaças, blefes e contestações legais. O uso da defesa comercial e a contestação legal das regras do jogo são parte fundamental do processo. Política comercial é a arte da discriminação. A credibilidade apenas surge quando um país é capaz de montar coalizões efetivas, convencer os outros com estudos e bons números, anunciar e cumprir. O Brasil está em muito melhor posição e mais bem estruturado do que a maioria do mundo subdesenvolvido, mas ainda peca pela indecisão, pela má percepção das suas vantagens comparativas e pelo excesso de "retranca".

10. Interesse nacional. As resistências domésticas a qualquer acordo que venha a ser assinado serão tão importantes quanto as resistências externas. Após 40 anos de economia fechada e 10 anos de abertura unilateral, será preciso aprender a exercitar trade-offs que produzam saldo comercial, investimentos e empregos. Essa ginástica exigirá um enorme esforço de coordenação da sociedade, a começar por estudos de qualidade e um debate bem mais profundo e sério do que ocorreu até aqui.A Alca poderá ser boa ou ruim para o País, a depender do que formos capazes de construir nos próximos três anos. Ficar de fora reclamando, porém, só produzirá maus resultados.

(*) Marcos Sawaya Jank é professor da Universidade de São Paulo e consultor do BID. O autor expressa seus pontos de vista em caráter pessoal Email: Este endereço para e-mail está protegido contra spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

ELEIÇOES 2002

DEBATE COM OS CANDIDATOS

Dia 2 de setembro no auditório da Ocepar, em Curitiba, durante o Fórum dos Presidentes de Cooperativas do Paraná, acontecerá um debate com os principais candidatos ao Governo do Estado do Paraná. Presenças confirmadas de Rubens Bueno (PPS), Padre Roque (PT), Álvaro Dias (PDT), Beto Richa (PSDB) e Roberto Requião (PMDB). Não deixe de participar!

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