Opinião: Um ponto final na derrama

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No Brasil, há leis escritas, votadas e sancionadas que não pegam. Isso já faz parte dos usos e costumes da nacionalidade e não causa espantos. Mas há uma lei não escrita que pegou e não há meios nem perspectivas de revogá-la, de tão impregnada na cultura brasileira, desde a chamada elite até o povão. É a lei de que é possível e necessário tirar vantagem de tudo –a famosa lei que uma campanha publicitária de décadas atrás vinculou inexoravelmente ao grande jogador Gerson, vítima até hoje desse achado criativo da propaganda.

Foi essa lei que inspirou as autoridades da Secretaria da Receita Federal e do Ministério da Fazenda a elaborar a Medida Provisória 232/2004, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No último dia útil do ano passado, aproveitando-se de uma barretada para agradar a classe média, com o reajuste de 10% da tabela do Imposto de Renda (IR), o governo resolveu tirar vantagem da situação e elevar a carga tributária do setor de serviços, elevando a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) de 32% para 40% do faturamento das empresas que se enquadram no regime de lucro presumido. Um aumento de 25%.

E o governo se esmerou na arte de tirar vantagem. Primeiro, porque tentou convencer a classe média de que o reajuste da tabela e das deduções do Imposto de Renda era um grande ganho, quando na verdade a economia proporcionada ao contribuinte varia de parcas dezenas de reais a cerca de duas centenas de reais por mês, dependendo da faixa de renda. Isso pode ser constatado pelos dados fornecidos pelo próprio secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, quando reduzidos a suas reais proporções, apesar dos números grandiloqüentes com que foram travestidos: 5 milhões de contribuintes beneficiados e perda de arrecadação da ordem de R$ 2 bilhões. Traduzidos em miúdos, significam um ganho médio mensal, por contribuinte, de R$ 33,33.

O engodo fica mais evidente quando se verificam os novos níveis de dedução: R$ 117,00 por mês por dependente e R$ 2.198,00 anuais com educação por dependente. É uma conta feita para tirar vantagem do contribuinte, pois esses números não têm relação real com os gastos de uma família de classe média.

E a MP 232 veio justamente para cobrir esse "rombo" na arrecadação, embora o governo tenha silenciado quanto ao fato de que manteve a "herança maldita" do governo anterior de não corrigir a tabela do IR, o que provocou rombos anuais nas economias dos contribuintes pessoas físicas. Desde 1996, quando o governo Fernando Henrique Cardoso suspendeu os reajustes da tabela, até agora a inflação acumulada chegou a 92,8%, enquanto a soma das correções concedidas em 2001 e neste ano não chegam a parcos 30%.A justificativa da Receita Federal para onerar o setor de serviços é a necessidade de realizar justiça fiscal em relação aos assalariados, que são onerados com uma alíquota efetiva média do IR de 22%, segundo o Fisco. Isso ocorre num momento em que muitos, em razão da realidade do mercado de trabalho, estão se transformando em pessoas jurídicas (PJ). Os que fazem essa opção, porém, podem atenuar a pesada carga tributária, mas a verdade é que têm de renunciar a benefícios previstos na legislação e têm de arcar com despesas extras.

Além disso, a MP 232 incluiu entre os contribuintes sujeitos à retenção do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da CSLL as empresas de medicina, de engenharia, de publicidade e propaganda e agricultores que fornecem seus produtos para agroindústrias e cooperativas.

Para a Receita Federal, a MP 232 vai afetar cerca de 230 mil empresas de serviços. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBTP) calcula que na realidade 500 mil empresas serão diretamente afetadas, enquanto 1,5 milhão de outras empresas serão atingidas indiretamente.

Essa nova ofensiva de derrama só veio agravar ainda mais a carga tributária, que desde o governo FHC vem se avolumando, até chegar a 36,75% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no final de 2004.

E foi a gota d’água que fez empresários e entidades culturais, empresariais e de trabalhadores se unirem, criando a Frente Brasileira contra a MP 232, que realizou uma grande manifestação nesta terça-feira em São Paulo. Compareceram cerca de 2.500 pessoas, representando 1.111 associações e sindicatos. Eles querem que a MP seja transformada em projeto de lei e submetida ao debate democrático no Congresso Nacional. É a melhor maneira de tentar combater a lei da vantagem.

kicker: O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário calcula que na realidade 500 mil empresas serão diretamente afetadas pela MP 232

Texto publicado no Jornal Gazeta Mercantil de 17.02.2005

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