OPINIÃO - ARGENTINA E AGRIBUSINESS
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(*)Roberto Rodrigues
No último dia 26 de julho reuniram-se em São Paulo, por solicitação da ABAG, líderes e representantes categorizados das mais importantes cadeias produtivas do agribusiness brasileiro, bem como dos insumos agrícolas, com o objetivo explícito de avaliar as conseqüências da crise da Argentina sobre os respectivos setores. Também se discutiu o impacto das novas idéias em gestação na União Européia (mudanças na PAC) e nos Estados Unidos (redução dos estímulos às exportações).
Estiveram presentes líderes das cadeias do açúcar e álcool, algodão, batata, café, carnes (bovina, suína e de aves), floresta (papel e celulose), hortifrutis, laranja, leite, milho, soja e trigo, bem como representantes dos produtores de sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos, assim como a EMBRAPA, em nome da área tecnológica.
Surpreendentemente, ficou evidenciado o pequeno impacto da crise da Argentina sobre o agribusiness do Brasil. É lógico que existem alguns problemas, como é o caso da indústria de equipamentos agrícolas que no primeiro semestre de 2002 exportou para lá menos de 10% da média dos últimos 2 anos.
Há uma armadilha no trigo, porque 95% das nossas importações vêem de lá, e como o produtor argentino está segurando seu trigo por causa da incerteza cambial e financeira do país, o produto sobe de preço, obrigando nossos moinhos a buscarem outros fornecedores.
Também no leite há um problema representado pelo risco da triangulação no comércio externo: como a tarifa externa brasileira é alta para o leite importado e baixa em relação à Argentina, sempre há a possibilidade do leite vindo de outros países para nossos vizinhos ser revendido ao Brasil como sendo argentino. Isto pode ser consertado com medidas antidumping e com TEC mais elevada.
E, finalmente, há o histórico contencioso do açúcar, que não se deve à crise atual, mas sim a equívocos de nossos negociadores quando do Tratado de Assunção: o mercado argentino está fechado para nosso açúcar que é infinitamente mais competitivo que o de lá.
Ficou claro, também, que a crise irá atrasar o cronograma de harmonização de políticas macro-econômicas ou setoriais; e isto continuará inibindo o conceito do Mercosul como base exportadora comum para terceiros mercados.
No entanto, a reunião teve alguns notáveis subprodutos, dos quais podemos destacar os seguintes:
1. Negociação internacional: todos os representantes são unânimes em reconhecer a necessidade de uma grande articulação intersetorial tendo em vista as negociações da OMC, da ALCA e do Mercosul x UE. Só um trabalho bem costurado poderá definir quais as prioridades do país - e não de cada cadeia produtiva - e, principalmente, convencer o Itamaraty a negociar mais efetivamente nossos interesses, sem medo, como hoje se observa em relação aos painéis do açúcar, laranja e do algodão a serem submetidos à OMC. Todos reconhecem o grande esforço realizado pelo Ministro da Agricultura, sem a correspondente ação formal do Itamaraty, tímido e excessivamente diplomático em um assunto que representa criação de riqueza, renda e empregos no Brasil.
2. Defesa sanitária: ninguém tem dúvida de que as atuais barreiras tarifárias e não tarifárias dos países ricos serão mais e mais substituídas por barreiras sanitárias, o que exige uma forte atuação do setor público e privado. Neste campo, rastreabilidade e certificação são indispensáveis, assim como o Brasil precisa liderar uma ação mais articulada com os países da América do Sul, sob pena de perder competitividade por causa da importação de animais não controlados destes países.
Há também necessidade de reordenamento do setor responsável por controle sanitário no governo, separando o que é vegetal e o que é animal. E é muito forte a necessidade de regulamentar o Programa de Melhoria de Qualidade do Leite, através da portaria 56.
3. Tributação: esta velha questão do Custo Brasil sempre volta à cena, mas com clareza cada vez maior, especialmente quanto à desoneração da cesta básica e da produção, tributando somente o consumo final, acabando com a cumulatividade dos impostos como PIS e COFINS.
4. Tecnologia: foi unânime a disposição de apressar a abertura do país para os produtos transgênicos, com a rotulagem indispensável, para que o mercado faça sua opção (produtores e consumidores). É grande a percepção da necessidade de se cuidar da sustentabilidade de todos os processos produtivos, com firme participação de produtores em organismos normativos importantes como o CONAMA, IBAMA, CNTBio, ANVISA, etc.
5. Logística: este é outro ponto recorrente nas postulações do agronegócio, especialmente para produtos perecíveis. E, de novo, a parceria entre setor privado e governo é fundamental, incluindo informação e comunicação, ações de marketing e até mesmo na criação de aparatos que garantam nossos exportadores contra riscos não comerciais (risco país, por exemplo).
Foi uma extraordinária reunião, mostrando o impressionante amadurecimento, profissionalismo e modernização dos organismos representantes dos diversos setores do agribusiness brasileiro.
(*)Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo e agricultor, presidente da ABAG - Associação Brasileira de Agribusiness e professor de Economia Rural da UNESP/ Jaboticabal.