OPINIÃO:
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Algodão: vamos dar um fim aos subsídios predatórios
"Os EUA são o maior subsidiador, dando US$ 2,3 bilhões para a produção"
Aluisio de Lima-Campos (*)
Os custos de produção de algodão, de acordo com o Comitê consultivo Internacional do Algodão (ICAC), variam de um máximo de 68 centavos e dólar por libra-peso nos EUA a um mínimo de 21 centavos em Burquina Fasso. O custo brasileiro, de 31 centavos, encontra-se entre os menores do mundo e é inferior até mesmo ao de produtores reconhecidamente eficientes como a Austrália e Argentina, entre outros. Segundo o ICAC, países exportadores da África, Ásia e América Latina têm custos de produção inferiores aos países desenvolvidos, com exceção da Austrália.
Na última safra, após o preço médio do algodão alcançou um mínimo de 35 centavos em novembro de 2001, a produção em países não subsidiadores como a Austrália e o Brasil, reduziu-se em l2% e 20% respectivamente. Efeitos similares ou completa estagnação produtiva foram verificados na América Latina, no Caribe, na África e na Ásia Oriental, excluindo a China. Nos demais países produtores, no entanto, a produção aumentou de tal forma que o total mundial atingiu nível recorde de 21 milhões de toneladas.
Diversos fatores contribuíram para a depressão de preços. Houve enfraquecimento relativo da demanda nos últimos dois anos, em resposta a menores índices de crescimento econômico. Do lado da oferta, a desvalorização do Real e de outras moedas de países produtores frente ao dólar norte-americano evitou que a produção se reduzisse ainda mais nos países em desenvolvimento e na Austrália, O surgimento de novas áreas de produção, como o Centro-Oeste brasileiro e a região do CAP na Turquia, geraram incrementos de produção. O aumento da área plantada com algodão transgênico reduziu custos.
Descontados esses fatores de mercado, modelos econométricos desenvolvidos conjuntamente pelo ICAC e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAC) quantificaram o impacto dos subsídios governamentais nos preços do algodão em 31 centavos de dólar por Libra-peso. Ou seja, com base no preço médio atual, de 42 centavos, os preços internacionais seriam 74% mais altos, não fossem os subsídios produção. A magnitude desse resultado enfraquece os argumentos a favor de fatores de mercado, e estabelece a dominância absoluta do subsídio governamental como causa maior da queda de preços.
Em virtude do enfraquecimento de preços, países em desenvolvimento que haviam abandonado subsídios ao produtor na década passada, como o Brasil, Egito.
México e Turquia foram forçados a estender, em bases emergenciais algum tipo de apoio a seus produtores. Na safra atual, seis outros países, Argentina, Benin, Colômbia, Costa do Marfim, Índia e Mali, também se viram obrigados a ajudar seus produtores para evitar a falência de suas respectivas cotoniculturas. São todos países que não se encontram em condições de onerar seus respectivos Tesouros ainda mais.
De acordo com o ICAC, no entanto, esses países respondem por apenas 14% dos subsídios governamentais destinados ao algodão. Os restantes 86%, cerca de US$ 4,2 bilhões anuais, são concedidos pelos EUA, China e União Européia. Os EUA e China sozinhos, os dois maiores produtores mundiais, respondem por 76% dos subsídios à produção e 100% dos subsídios à exportação de algodão.
Os EUA, no entanto, são, de longe, o maior subsidiador, com US$ 2,3 bilhões desembolsados para a produção e US$ 130 milhões para as exportações em 2001/2002, correspondendo respectivamente a 50% e 90% dos totais mundiais. O mais grave é que os EUA também são o exportador dominante, com 40% do mercado. Essa posição é mantida por excessos de producão, incentivados por subsídios, que são desovados no mercado internacional, com a assistência de subsídios adicionais à exportação, que os tornam competitivos no mercado externo. O resultado é uma combinação fatal de preços em queda, com oferta crescente alimentada por subsídios, que só pode gerar preços ainda menores.
Essa situação calamitosa está causando danos consideráveis. Relatório preparado pela embaixada do Brasil em Washington, de julho de 2002, mostra prejuízos de IJS$ 640 milhões só na última safra brasileira, África do Sul, Argentina, Austrália, Colômbia, Índia, Polônia, Sudão, Turquia e Usbequistão também relataram prejuízos significativos. Nos países africanos de língua francesa, o algodão representa 80% da receita de exportação do Benin e 50% nos casos de Burquina Fasso e Mali. Nesses países, de acordo com depoimentos de organizações internacionais na mesma conferência, os impactos estão sendo dramáticos, de ordem econômica e social, e gerando consequências sérias nas áreas de saúde e educação.
A situação é extremamente preocupante e requer ações imediatas no âmbito da Organização Mundial de Comércio. A cadeia têxtil brasileira está unida nesse propósito e os argumentos são contundentes, inclusive no caso de outros países. Uma eventual liderança do Brasil neste caso irá provavelmente incentivar outros países afetados a apoiar nossas iniciativas. É preciso apenas concluir as conversações internas entre governo e setor privado e passarmos da retórica à ação.
(*) Aluisio G.de Lima-Campos é economista e delegado do Brasil junto ao Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC), em artigo publicado pelo jornal O Valor.