O JOGO QUE INTERESSA À AGRICULTURA BRASILEIRA
- Artigos em destaque na home: Nenhum
Roberto Rodrigues (*)
Nos últimos 30 dias, o Brasil recebeu diversos visitantes, responsáveis pela área de comércio internacional dos países desenvolvidos. Pascal Lamy, comissário europeu para a OMC, e Robert Zoellick, secretário norte-americano de Comércio, foram os mais importantes, mas a presença de uma delegação de deputados dos Estados Unidos, liderada pelo presidente da Comissão de Agricultura, Larry Combest, e a vinda de representantes de governos latino-americanos, europeus e asiáticos mostram claramente um fato novo: o Brasil é considerado, agora, um player de peso nas negociações internacionais.
Isso não quer dizer que já temos a força necessária para impor regras ou mudar disposições determinadas pelos poderosos, mas é, sem dúvida, um sinal de mudança de conceito que sobre nós têm os governos e os povos dos países mais ricos. Não há dúvida de que grande parte dessa transformação deve ser creditada ao trabalho do próprio presidente Fernando Henrique e ao esforço do Itamaraty. A ação dos ministros Lampreia, Lafer e, mais recentemente, Pratini de Moraes e Sérgio Amaral também tem sido positiva.
Esse reconhecimento de um novo papel a ser jogado pelo Brasil no cenário mundial coincide, historicamente, com uma drástica alteração nesse mesmo cenário, determinada pela tragédia de 11 de setembro. De tudo o que se tem dito sobre o assunto, há uma conclusão que salta à vista: é preciso evitar, a todo custo, o crescimento do gap entre ricos e pobres, porque ele é o grande responsável pelo caldo de cultura que, em todos os quadrantes do planeta, gera a desesperança, a falta de perspectivas e, como conseqüência, conduz à violência, à desconfiança na democracia e à descrença na paz.
Esse é um pano de fundo sobre o qual se deve debruçar a "inteligentsia" dos países ricos: é preciso defender a democracia e a paz, sem o que outros pontos indispensáveis para a humanidade - justiça, segurança, bem-estar e felicidade - vão se transformando em bens exclusivos de minorias privilegiadas. Pois bem. É claro que na abertura dos mercados dos países ricos para os países emergentes está uma condição fundamental para gerar empregos, produção e riqueza no interior destes últimos, o que começaria a reduzir as diferenças socioeconômicas. Está também evidente que, nestes países emergentes - como o Brasil -, é no agribusiness que estão as maiores vantagens comparativas. Portanto, fica claro que a abertura dos mercados agrícolas é a mais eficaz e mais rápida maneira de criar condições de crescimento de riqueza nesses países.
Não é essa, aparentemente, a visão aqui explicitada pelos ilustres visitantes já referidos. Todos consideram a agricultura como um setor "sensível" em seus países, que carece de proteção por questões que transcendem o econômico, mas muito mais pendentes do social e do político. A tese da multifuncionalidade esgrimida pelos europeus e a "Farm Bill", projeto para o setor agrícola em análise pelo governo americano, são demonstrações do espírito protecionista que, na prática, contraria frontalmente a idéia de redução das diferenças: a proteção lá aumenta a exclusão aqui.
Há, então, uma distância entre a lógica socioeconômica-política-planetária e a ação real dos governos dominantes. Essa distância é determinada pelos interesses dos eleitores de cada país. Não é por outra razão que o presidente Bush critica o Protocolo de Kyoto ou impõe barreiras à importação do aço. Ou que Larry Combest avisa que ele e seus pares defenderão internamente o aumento do subsídio aos agricultores americanos, porque foram eles que os elegeram.
Essas razões são as mesmas responsáveis pelo descumprimento do acordo agrícola da Rodada Uruguai, do GATT, de 1994, que previa uma redução do protecionismo agrícola dos ricos. Na verdade, entre 1986 e 1988 (anos-base para os cálculos da Rodada) e entre 1998 e 2000 esse protecionismo cresceu 14%, o contrário do comprometido pelos signatários do acordo. Mas esses atos e discursos não desviarão o rumo das mudanças. Mais forte que os votos conjunturais estará o apelo estrutural pela democracia e pela paz. E, mais cedo do que imaginam os céticos, as aberturas virão. A pergunta então é: estamos prontos para ela?
Recentes livros publicados pela Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), "Agribusiness Brasileiro", "A História e Complexo Agroindustrial Brasileiro" e "Caracterização e Dimensionamento", mostram que o agronegócio é o maior negócio do País, representa 25% do valor total da produção nacional, gera 37% dos empregos e responde por 41% das nossas exportações. Mais ainda: é o único grande setor superavitário no comércio externo. Em 2001, o saldo do setor foi superior a US$ 18 bilhões, tendo crescido US$ 4 bilhões em relação a 2000.
Nesse sentido, com a importância socioeconômica que tem, a agricultura e o agronegócio não podem ser tratados de forma secundária nos acordos internacionais. Aqui está nossa vocação de hoje e, enquanto nossa indústria vai se preparando com enorme competência para enfrentar quaisquer concorrentes no futuro próximo, é no campo que já temos uma fortaleza instalada. Não tememos a Alca ou a União Européia, desde que o comércio seja efetivamente liberado. Mas não podemos mais ser moeda de troca nas negociações para privilegiar produtores de países desenvolvidos e setores não competitivos. E isso, felizmente, é hoje um pensamento dominante entre as classes empresariais brasileiras. Mas ainda há muito a fazer para aproveitarmos essa abertura de mercados que se avizinha.
Precisamos entender que o protecionismo agrícola dos ricos é político e social e devemos dizer-lhes que protejam o quanto quiserem, mas esse protecionismo não pode gerar excedentes exportáveis, porque isso aumenta a produção mundial e deprime os preços, destruindo nossa renda. Eis aí o grande jogo: não queremos outro 11 de setembro; queremos democracia e paz. Para isso, é imperioso abrir os mercados agrícolas. E quando essa oportunidade chegar, devemos estar prontos. Caso contrário, outros a aproveitarão. Afinal, como diz o sábio caboclo: quem chega na frente bebe água limpa.
(*) Engenheiro agrônomo e agricultor, presidente da Abag - Associação Brasileira de Agribusiness () e professor de Economia Rural da Unesp/ Jaboticabal)