O CADE ESTÁ PREOCUPADO COM A BRIGA DE FORNECEDORES E VAREJISTAS

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A queda-de-braço entre grandes redes de supermercado e fornecedores passa a figurar, em definitivo, na pauta de discussões dos órgãos de defesa da concorrência com a compra da rede Sé Supermercados pela Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), controladora do Pão de Açúcar. No centro da disputa está o poder de barganha, que já foi maior da indústria, mas que tende a debandar para o lado do varejo em razão da crescente concentração no setor. "Não sei até que ponto a questão está sob nossa responsabilidade", afirma o presidente do Cade, João Grandino Rodas. Para ele, os fornecedores, em vez de aguardar os desdobramentos da concentração, deveriam apresentar, de maneira formal, suas preocupações aos conselheiros. "Nada melhor que as partes para trazer os problemas." Ele diz que os distribuidores da Ambev erraram por só reclamarem das práticas da companhia mais de um ano depois da aprovação da fusão.

Concentração e cartel no leite - Rodas defende cuidado redobrado com o aumento das aquisições no setor de supermercados, que poderia causar problemas no médio e longo prazo. "Não se trata de prejulgamento, mas levarei em conta a natureza dos supermercados ao votar o caso Pão de Açúcar." Os casos de disputa entre varejo e fornecedores começam a ser avaliados pelo sistema antitruste. Está em andamento na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, um processo administrativo para apurar abuso de posição dominante e formação de cartel entre os compradores da produção nacional de leite, acusados de "achatar" os preços. O órgão também investiga, preliminarmente, denúncia de suinocultores contra os supermercados, que estariam impondo restrições para a compra de carne.

Benefícios aos consumidores - De acordo com a titular da SDE, Elisa Ribeiro de Oliveira, a disputa é considerada nos processos em andamento. Ela afirma, no entanto, que até agora o jogo de forças tem se mostrado eficiente para garantir preços mais baixos aos consumidores. "Não acho necessária a definição de normas específicas para conter abusos de uma das partes", declara. Para Elisa Oliveira, eventuais prejuízos devem ser analisados caso a caso. Já a especialista em direito da concorrência Paula Forgioni, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma que o sistema deveria criar dispositivos para proteger o fornecedor da tendência de concentração nos supermercados. Segundo ela, a ação antitruste no Brasil ainda está fundada em visão tradicional, que se preocupa apenas em garantir a existência de concorrência e de preços mais baixos aos consumidores. Ela afirma que diferentes países já se deram conta da necessidade de proteção aos fornecedores e aos pequenos e médios supermercadistas.

Excessos dos varejistas - Legislações antitruste, como alemã, francesa e italiana trazem expressamente normas para reprimir excessos dos grandes varejistas nos contratos firmados com os fornecedores. Paula Forgioni diz, por exemplo, que o "livro verde europeu" - estudo que causou mudanças, este ano, nas leis sobre acordos verticais - reconheceu aumento da dependência entre as duas etapas da indústria, para mostrar preocupação com o poder do comprador. "No Brasil, a preocupação com o abuso de dependência econômica é incipiente". Segundo a advogada, os conselheiros sequer cumprem o artigo 20 da Lei de Defesa da Concorrência que classifica como infração à ordem econômica os atos que possam aumentar arbitrariamente os lucros, como as exigências de varejistas aos fornecedores. O advogado José Inácio Franceschini, do Franceschini e Miranda Advogados, rechaça alterações na legislação. "Isso é uma bobagem". Para ele, a proteção aos fornecedores de grandes redes já pode ser feita com a legislação atual.

Pressão contra fornecedores - "Os fornecedores não são vítimas. No setor de bens de consumo, eles têm o mesmo poder de barganha das redes de varejo", contesta José Augusto Regazzini, do Tozzini, Freire, Teixeira e Silva. Segundo ele, em todas as linhas de produtos há grandes fornecedores para os supermercados. "A tendência do Cade é analisar a questão sob o ponto de vista de que o fornecedor é massacrado pelos varejistas", criticou. Regazzini defende, inclusive, algumas práticas das quais os fornecedores reclamam, como a cobrança para os fornecedores que quiserem colocar seus produtos em locais privilegiados nos supermercados. "Há determinados locais estratégicos nas gôndolas. Tudo é uma questão comercial". Segundo ele, não precisa haver alteração da legislação para o Cade fiscalizar possíveis abusos. Já advogado José Del Chiaro, também especialista em direito da concorrência, avalia que práticas como a venda de espaços nas gôndolas e o chamado "batizado de loja" (na inauguração da loja todas as mercadorias são doadas pelos fornecedores) resultam do "maior poder de fogo dos supermercados" do que da indústria. "Uma parte da cadeia distributiva começa a se concentrar e esse poder precisa ser analisado pelo Cade". Mas Del Chiaro também não acha necessária uma mudança na legislação concorrencial. (Gazeta Mercantil).

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