O BRASIL QUE DÁ CERTO

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Por Luiz Inácio Lula da Silva (*)

Vivemos uma semana excepcional no nosso país, embalados pela enorme alegria da conquista do Penta. O Brasil ganhou essa Copa de virada, considerando o quanto a nossa seleção estava desacreditada no início da competição. Pela qualidade do nosso futebol, pela garra e persistência do técnico, pelo grande espírito de cooperação da equipe - por tudo isso, o Brasil se reafirmou em nível mundial de forma extremamente positiva. Há um Brasil que dá certo espalhado em milhares de pequenas iniciativas por todo o território nacional. Nossa seleção, com jogadores de todos os cantos do país, quase todos de origem humilde, é de alguma forma um exemplo disso. Na vida econômica também é assim. Mas é preciso acreditar no nosso povo e criar as oportunidades que possam nos levar a vitórias tão grandiosas como as do futebol.

Nessa mesma semana na qual se comemorou o Dia Internacional do Cooperativismo, aproveitei para visitar duas iniciativas que são referência para um novo Brasil, acompanhado do senador José Alencar (PL-MG), vice na nossa chapa presidencial: a Cocamar - uma das maiores cooperativas agrícolas do Paraná, com 5.500 associados e faturamento previsto de R$ 700 milhões este ano, com sede em Maringá, e a Uniforja, uma iniciativa bem sucedida de cooperativa industrial, organizada por operários metalúrgicos de Diadema, no ABC paulista.

O nosso interesse no sistema cooperativo leva em conta números significativos. Nada menos de 1/4 da economia agrícola do Brasil tem por base 1.466 cooperativas existentes no campo. Elas são responsáveis por 29% da produção de soja, 62% do trigo, 39% do algodão, 45% do leite e 31,5% dos suínos, entre outros.

Cerca de 20% da população rural (4,6 milhões de produtores) têm no sistema cooperativo seu principal vínculo com o mercado. Mais da metade (55,3%) são pequenos proprietários, com área de até 50 hectares. Uma das mais sólidas bases operacionais dos pequenos é precisamente a Cocamar. Quase 80% de seus associados, distribuídos em 120 municípios paranaenses, vivem e produzem em áreas com menos de 50 hectares. Um fato pouco conhecido é o seguinte: quase todas as empresas privadas tradicionais fecharam ou foram engolidas por multinacionais no agronegócio no Paraná - somente as cooperativas resistiram. Há um exemplo bem defronte da sede da Cocamar, o de uma empresa que fechou as portas há quatro anos, e tinha capacidade para processar 2.200 toneladas/dia de soja. Atualmente, o setor divide-se entre cooperativas (que detém 60% do setor) e multinacionais (com 40%).

O caso da Uniforja, no ABCD paulista, é também muito expressivo. Eleita Empresa do Ano pela revista Exame, em 1982, a Conforja, a maior forjaria da América Latina, com sede em Diadema - e apenas duas plantas equivalentes no mundo - escapou de virar sucata em 1997 pela coragem e capacidade empreendedora de seus trabalhadores. Na ante-sala da falência, afogada em débitos trabalhistas e fiscais, além de mal administrada pelos sucessores do fundador, o alemão Willen Endlen, a indústria, que chegou a faturar US$ 5,5milhões por mês, com 1.200 funcionários, foi arrendada por um grupo de metalúrgicos. Eles só tinham duas saídas na vida: a porta da rua ou a esperança para arriscar uma nova forma de viver e de produzir.

Um grupo de aproximadamente 300 empregados, dos 550 restantes, em novembro daquele ano, decidiu pela segunda opção. Desde então, muita coisa mudou, a começar pelo próprio nome da empresa. Transformada numa estrutura de quatro cooperativas setoriais, reunidas numa central - a Uniforja - a velha indústria deu certo. Quem imagina que as vantagens desse mundo novo beneficia apenas um grupo restrito de famílias brasileiras está redondamente enganado. Não bastasse a preservação de empregos e a geração de novas vagas, a sobrevivência da forjaria de Diadema é estratégica para o nosso país.

Única fornecedora nacional de conexões para os oleodutos da Petrobrás, seu desaparecimento acarretaria importações adicionais de aproximadamente US$ 12 milhões por ano. O que não seria uma boa notícia para o equilíbrio das contas externas.Por isso, os trabalhadores da Uniforja têm orgulho e consciência de protagonizar a mais significativa experiência de cooperativismo industrial no Brasil. Iniciativas como essas têm de receber apoio e incentivo para que possam se multiplicar pelo país afora. Estou convencido de que o grande desafio dos governantes do século 21 é o de fazer prevalecer um forte componente social e redistributivo sobre a lógica excludente e especulativa que predomina hoje na maioria das sociedades. Ainda mais no Brasil, que detém o triste recorde de estar entre os países de maior exclusão social do mundo. O cooperativismo, tanto rural como urbano, é uma das alavancas para redefinir o mercado a favor dos produtores e da distribuição de renda.

(*) Luiz Inácio Lula da Silva é presidente de honra do Partido dos Trabalhadores e conselheiro do Instituto Cidadania.

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