CPI DO LEITE QUER INVESTIGAR COMÉRCIO VAREGISTA, CADE, SAE E SDE
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A investigação do comércio varejista e das instituições públicas federais de defesa dos consumidores, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a SAD (Secretaria de Acompanhamento Econômico) e a SDE (Secretaria de Direito Econômico) são algumas das propostas da sub-comissão do leite da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara Federal para resolver, definitivamente os problemas do setor. Essas propostas foram apresentadas ontem (15) aos produtores e lideranças rurais que participaram do Seminário sobre Política Setorial e Perspectivas do Setor Leiteiro, realizado na Cooperativa Castrolanda, em Castro, como parte dos eventos do II Agroleite. Essas propostas foram defendidas pelo deputado federal Moacir Michelletto e pelo assessor legislativo da Câmara, o economista Aércio S. Cunha, após a apresentação, no seminário, das conclusões da CPI do Leite no Paraná, pelos deputados Orlando Pessuti e César Silvestri.
Denúncias contra a ditadura do varejo - O seminário começou com a apresentação, pelo presidente da CPI do leite da Assembléia Legislativa, deputado Orlando Pessuti, das principais conclusões do trabalho de investigação executado pela comissão. Frisou que o bom conteúdo do relatório é resultado não apenas do trabalho parlamentar, mas deve-se muito ao apoio das organizações de defesa do setor leiteiro, como Secretaria da Agricultura, Ocepar, Faep e Sindileite. Pessuti afirmou que o relatório mostrou uma série de problemas que afetam o setor, inclusive a carência de melhor organização dos produtores de leite. Frisou que o elo mais fraco da cadeia do leite é o dos produtores, que recebem os menores preços, e o mais forte é do comércio varejista, que impõe regras às indústrias, pressionando os preços, enquanto que os consumidores não são beneficiados. "O governo tem que ter um olhar especial sobre os varejistas que estão dominando o mercado, pagam pouco pelo produto, enquanto o consumidor paga muito", afirmou.
Descontos, enxovais e sonegação fiscal - Tanto Pessuti como o relator da CPI do leite, deputado César Silvestri, deixaram claro que a prepotência econômica dos supermercados é grandemente responsável pelo rebaixamento dos preços pagos aos produtores de leite. As grandes redes estão adotando uma política de pressão que estrangula as indústrias, que por isso estão atuando com lucro praticamente zero. Essas redes, afirmou César Silvestri, aplicam um total de 33 tipos de descontos, que somados deprimem os preços do leite em 23%. Fato pior que essa pressão econômica é a quase certa sonegação fiscal praticada pelas redes de supermercados através de um mecanismo de emissão de notas e descontos obtidos. O deputado César Silvestri citou que as redes exigiam, por exemplo, nota fiscal no de R$ 100,00, mas pagam R$ 80,00 em função do desconto obtido. Como a nota permite ao varejista o creditamento do ICMS correspondente, essa operação caracteriza "apropriação indébita e sonegação", enquanto as indústrias acabam pagando Imposto de Renda e ICMS sobre R$ 20,00, o que não devem, pois esse valor foi apropriado pelo varejo através de desconto.
Preço referência, Conselho deliberativo e exportações - O deputado federal Moacir Micheletto, relator da sub-comissão do leite na Comissão de Agricultura da Câmara Federal, responsável pela elaboração do relatório síntese das conclusões das comissões parlamentares de inquérito realizadas em diversos estados, elogiou as conclusões da CPI do Paraná, afirmando que deram importantes subsídios para que a Câmara busque uma solução permanente para o leite. Michelleto afirmou que as soluções para os problemas buscadas pela sub-comissão do leite têm duas vertentes: a técnica e a política. O relatório final deverá ser apreciado após as eleições, na busca de um comprometimento maior dos parlamentares e do próprio governo que for eleito. Entre as propostas mais importantes apontadas até o momento estão a constituição de um conselho nacional deliberativo para o leite (integrado por representantes do governo, dos produtores, da indústria e do varejo); investigação do comércio varejista e das organizações de defesa econômica da sociedade; o estabelecimento de um preço referência para o leite; e a promoção das exportações.
Problemas estruturais - Lideranças do setor leiteiro reconhecem que muitos problemas são de solução mais lenta, como a promoção das exportações, uma vez que até o momento sequer estão em vigor medidas determinantes da qualidade do leite, preconizadas pela Portaria 56. Acreditam, no entanto, que o governo pode dar grande contribuição para evitar que os preços caiam muito abaixo do custo de produção, anulando a "ditadura do varejo" e, algumas vezes, da indústria. Relatório preliminar apresentado pelo técnico legislativo da Câmara dos Deputados, Aércio S. Cunha, elencou os desafios a serem vencidos pelo setor leiteiro, entre os quais o poder dos adversários (indústria e varejo); o protecionismo externo; as importações e o despreparo do poder público, incluindo o pouco caso demonstrado por órgãos de defesa da sociedade. Ficou clara a denúncia de que, diante do poder econômico "que está conseguindo manietar as mãos e pés do governo", não resta aos produtores outro caminho senão recorrer aos legislativos, através de comissões parlamentares de inquérito.
Coragem - Causou certa comoção entre os presentes dois depoimentos sobre o comportamento de membros da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara Federal durante reunião realizada há cerca de dois meses, quando foram ouvidos os representantes da cadeia produtiva do leite. O primeiro foi do deputado César Silvestri, afirmando que, enquanto parlamentares, como Michelletto defendiam o setor leiteiro, alguns faziam pouco caso e demonstravam estar claramente do lado do varejo. Silvestri também considerou evasivo o posicionamento do Cade diante de acusações tão graves quanto às levantadas contra o comércio varejista. "Pude sentir claramente lá em Brasília que o que falta é patriotismo", desabafou. Por sua vez, o presidente do Sindicato da Indústria do Leite no Paraná (Sindileite), Wilson Thiesen, falou de sua revolta com a atitude de membros da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara Federal durante audiência pública citada. "Eu nunca tinha presenciado tamanha desconsideração, uma ducha de água fria ao setor", reclamou, reportando-se ao comportamento de um membro da comissão, sem citar nome. Thiesen elogiou, por outro lado, o apoio irrestrito dado ao setor leiteiro pelos deputados federais paranaenses Moacir Michelletto, Dilceu Sperafico e Abelardo Lupion.
Organização e fidelidade - Coube ao presidente da Comissão Nacional de Bovinocultura de Leite da Confederação Nacional da Agricultura, o produtor mineiro Rodrigo Alvin, fazer a palestra final do seminário. Rodrigo discorreu sobre "Perspectivas de desenvolvimento do setor leiteiro brasileiro", dando uma visão geral do mercado mundial do leite, perspectivas de exportação e preços. Chamou a atenção das lideranças dos produtores afirmando que "o leite tem que estar nas mãos um segmento organizado, que tenha força para negociar com o setor industrial", criticando os associados de cooperativas que foram aliciados pelas indústrias, deixando o setor mais fraco. "É a mesmo que cuspir para cima", afirmou, para demonstrar que o enfraquecimento das cooperativas vem em prejuízo também dos agricultores que as abandonaram. Disse ainda que as cooperativas não precisam, necessariamente, ter indústrias. Precisam, sim, ter o controle da produção e serem fortes para negociar o produto no mercado. Ao final de sua palestra conclamou os produtores a fortalecerem suas cooperativas, as associações, federações e sindicatos, pois a organização é a forma mais eficiente de enfrentar os desafios. "Não vamos ter sucesso se continuarmos sendo entregadores de leite sem saber por quanto estamos vendendo o produto", concluiu.