CONCORRÊNCIA NA INDÚSTRIA FOI ÂNCORA DO REAL

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A âncora do real não foi verde. Foi a indústria alimentícia, pressionada pelos supermercados e agricultores, que sustentou em baixa os preços dos alimentos durante os anos de estabilização.

Nenhum gesto de altruísmo, mostra um estudo elaborado pelos economistas Elizabeth Farina, da Faculdade de Economia e Administração da USP e Rubens Nunes, do campus da USP em Pirassununga. A mudança no padrão de concorrência no mercado de alimentos levou a esse fenômeno.

A pesquisa nasceu de uma dúvida levantada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal): por que os preços dos alimentos não pressionaram os preços durante a estabilização monetária no Brasil? A resposta imediata era que os preços dos produtos agrícolas seguraram as altas, criando a chamada âncora verde. A literatura econômica já dava ênfase ao papel do campo no processo e levantava dúvidas sobre a sustentabilidade desse processo por conta da contínua queda dos preços. Junto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Cepal encomendou o estudo à Faculdade de Economia da USP.

Ao analisar os números nos sete anos "a hipótese da âncora verde ficou comprometida. Vimos que os preços industriais contribuíram dominantemente para a estabilização", diz Elisabeth Farina, que junto a com Nunes faz parte da equipe do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa), da USP.

"O período pós real mostra que houve mudança de paradigma na distribuição dos segmentos. O preços dos alimentos seguiram em queda e o preço da matéria prima teve alta", diz Farina.

Do início do Plano Real até junho de 2001, por exemplo, os preços dos alimentos cresceram 49,4% nas regiões metropolitanas cobertas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Em São Paulo foi de 38,1 %. No atacado, a variação do índice de preços dos alimentos ficou em 80% enquanto os preços agrícolas registraram ganhos de 142,1% no atacado. O Índice de Preços Recebidos pelo Produtor (IPR) da FGV aumentou 75,2%. Embora os economistas concordem que é possível existir algum desvio que puxe para cima os preços agrícolas (o índice usado é o IPA-OG da FGV), a diferença a favor dos produtos agrícolas se mantém.

Os pesquisadores não negam nem deixam de enfatizar a importância do crescente ganho de produtividade no campo, fundamental para as cotações dos grãos, carnes e especialmente lácteos não terem subido ainda mais, comprometendo o período de estabilização. Mas deixam claro os ganhos obtidos nos preços dos produtos agrícolas no período. Lembra o economista Guilherme Dias, também da USP, que participou da discussão do trabalho, "a âncora verde fica muito caracterizada nos anos de 1995 e 1996". A partir de 1996 as cotações das commodities começam a se recuperar. Além disso, quedas superiores a 40% nos preços dos insumos no período do real permitiram ao campo absorver quedas relativas nos preços.

Foi a pressão dos supermercados a maior trava para as indústrias. Embora o varejo tenha passado por uma significativa mudança no período, a concentração não impediu a disputa em preço. Ao contrário, a concorrência foi acirrada, as margens de lucro reduzidas o que impediu aumentos consideráveis de preços. Diferente, por exemplo, do que ocorreu na Argentina, onde a concentração nos supermercados elevou a margem de lucro do varejo, comenta Rubens Nunes.

Olhando-se apenas os números, o trabalho mostra que foi o setor de supermercados o quem mais perdeu margem. Mas os dados não embutem os custos extras que os supermercadistas ditam a seus fornecedores, em especial aos da área de alimentação, como promotores, campanhas de marketing e o chamado "enxoval", a oferta de produtos para inauguração de novas lojas ou re-inauguração de lojas antigas. "O lucro dos supermercados mantém-se, ao longo do período, constantemente baixo. (...) Contudo, há indícios de acumulação de capital no setor: além do crescimento do emprego direto, cresce o Patrimônio Líquido, assim como a dívida financeira", aponta o estudo que está em fase final de elaboração.

Ao cruzar dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) com os do censo Nielsen, os pesquisadores mostram que o impacto das fusões nos supermercados foi maior sobre lojas de eletrodomésticos e menor sobre alimentos. Cai de 45,1% para 42,8% a venda de alimentos nas grandes cadeias, enquanto os supermercados independentes (de uma a cinco lojas) aumentam de 40% para 44% a venda. O aumento do número de lojas dos independentes também é significativo (ver quadro), saindo de 33,8 mil para 54,2 mil. "O que muitos donos de supermercados vendidos fizeram? Abriram novos supermercados em outras regiões", lembra Farina.

De grande ajuda para a consolidação dos pequenos supermercados foi a chegada das grandes redes atacadistas e as mudanças na logística de distribuição por elas implementadas.

Essa mudança fica visível quando grandes empresas de alimentos e higiene e limpeza passam a ter mais atenção com o pequenos varejo e pequenos supermercados. É ali, mostra o estudo, que estão as melhores margens. "Nos esforçamos nos últimos tempos para aumentar o número de clientes menores. Nas grandes cadeias estamos presentes para dar visibilidade à marca, mas as margens maiores estão nos pequenos", confessa o diretor financeiro de uma grande indústria de alimentos, que pede para não ter seu nome revelado por temer represália dos supermercados.

Uma dúvida fica para os pesquisadores no fim do trabalho: se o ganho de eficiência conseguido pela indústria de alimentação é sustentável. As margens continuarão pequenas e novos investimentos serão necessários para garantir ganhos. (Fonte: Valor Econômico)

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