COMPARANDO TARIFAS DE IMPORTAÇÃO
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Comparando tarifas de importação
Marcos Sawaya Jank(*)
Áreas de livre comércio da magnitude da Alca e do futuro acordo Mercosul-União Européia (UE) levam os países a desenvolver diferentes comparações de tarifas e barreiras não-tarifárias para salientar e justificar os seus interesses negociais. Os EUA e a UE, por exemplo,costumam se auto classificar como economias abertas, já que sua tarifa média de importação seria inferior a 5%. A Embaixada do Brasil em Washington,porém, rebate a afirmação dos EUA, dizendo que os 20 principais produtos de exportação brasileiros são gravados por uma tarifa média de 39,1% para entrar no mercado americano, enquanto é de apenas 12,9% a tarifa imposta pelo Brasil na importação dos 20 principais produtos americanos. A nova embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak, refuta o estudo brasileiro,afirmando que dois terços desses 20 produtos encontram tarifas abaixo de 3%,e o alto número decorre da inclusão - errônea, no seu entender - das tarifas extra quota do açúcar e do fumo, que não têm sido aplicadas sobre o Brasil.
Por entender que essa polêmica é absolutamente fundamental para o correto entendimento das negociações, vou aqui manifestar a minha opinião sobre o tema. Entendo que o exercício feito pela Embaixada do Brasil está correto ao utilizar as tarifas extra quota como referência de proteção,independentemente de a quota ser ou não preenchida. A quota tarifária é um dos mecanismos mais nefastos do Acordo Agrícola do Gatt. Ela permite a importação de pequenos volumes prefixados com tarifas razoáveis, porém impõe tarifas elevadíssimas se o exportador supera o limite da sua quota. Os EUA aplicam quotas tarifárias em diversos produtos de interesse atual e potencial do Brasil, como açúcar, fumo, carnes, laticínios e algodão. Ao contrário das pequenas economias do Caribe e da América Central, as quotas tarifárias constituem forte obstáculo às exportações do Brasil, que se tornou eficiente demais na produção de algumas commodities fortemente protegidas. Por isso, é correto que países competitivos aptos a gerar grandes volumes exportáveis se preocupem em eliminar esse sistema atroz,assumindo a tarifa extra quota como referência da proteção.
Por outro lado, entendo que o estudo da Embaixada brasileira peca ao propor a comparação da média aritmética das tarifas impostas sobre os 20 produtos mais importantes. O principal problema está na definição da amostra, já que os resultados podem variar consideravelmente se tomadas outras amostras, de 15 ou 30 produtos, por exemplo.
A literatura especializada recomenda o uso de médias ponderadas sobre o universo total de tarifas. A mais fácil de ser calculada é aquela que pondera as tarifas do país pelas suas importações totais. Esse método,porém, é altamente falacioso se aplicado a países que impõem tarifas pontuais altíssimas sobre os seus produtos politicamente sensíveis, como EUA, Canadá e UE. Isso porque as quotas e picos tarifários aplicados cumprem com êxito o papel de bloquear as importações, o que faz com que a média ponderada despenque, dando a falsa impressão de que o país é totalmente aberto ao comércio. Uma alternativa mais realista seria ponderar cada posição tarifária pelo valor da produção ou do consumo doméstico do país,mas o problema é que esses indicadores são muito mais agregados do que as tarifas, o que resulta numa ponderação capenga.
Uma alternativa proposta em trabalhos feitos na Nova Zelândia e nos EUA é usar o valor das exportações totais de um país em cada posição a 6 dígitos como fator de ponderação das tarifas do outro, e vice-versa. Esse método perspicaz mostra as tarifas de um país que são, de fato, relevantes para o seu parceiro comercial.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vem desenvolvendo estudos nessa linha. O cálculo é sempre realizado de forma bilateral, mostrando as tarifas ponderadas que cada país das Américas "recebe" e "impõe" sobre cada parceiro. A tabela abaixo mostra o resultado das tarifas ponderadas Brasil-EUA e Brasil-UE no setor agrícola. Vê-se que o mix de produtos agrícolas exportados atualmente pelo Brasil se depara com tarifas mais altas nos EUA do que na UE. Em ambos os casos, o Brasil recebe tarifas mais altas do que impõe. Como as barreiras não-tarifárias dos EUA (carne bovina e de frango e frutas frescas) são também mais restritivas, conclui-se que o Brasil deveria buscar aprofundar negociações de acesso agrícola com os EUA.
Certamente serão observados resultados opostos se aplicarmos o mesmo método de cálculo ponderado sobre o universo de tarifas industriais(não-agrícolas), que deve indicar uma economia mais fechada no Brasil em relação a EUA e UE. Este ano o BID deverá publicar um conjunto de estudos sobre as tarifas do Hemisfério Ocidental, complementados pelo uso de modelos computacionais de equilíbrio geral que simulam os efeitos da eliminação das proteções e dos subsídios sobre o comércio. Esses exercícios servem para salientar que a Alca pode ser uma oportunidade concreta de acesso a mercados, que não deveria ser desconsiderada ou menosprezada.
Os problemas do balanço de pagamentos "condenam" o Brasil a ter de negociarem todos as frentes, assumindo uma posição mais ativa de "demandante" em áreas como agricultura, questões sanitárias, regras de comércio e outras. Entendo que as restrições recentes apresentadas pelos EUA e pela UE deveriam motivar o Brasil a definir com maior clareza o que quer e a preparar-se melhor para negociar, em lugar de serem usadas como pretexto para abandonar batalhas que nem sequer começaram. É plenamente possível que países como EUA e Brasil venham a obter acordos do tipo ganha-ganha na Alca, desde que ambos se envolvam de forma construtiva e proativa no processo.
Tabela 1 - Tarifas ponderadas da agricultura brasileira em 2000
.. | Estados Unidos | União Européia |
Brasil encontra..... | 35% | 20% |
Brasil impõe.... | 14% | 18% |
Nota: tarifas dos EUA e da UE ponderadas pelas exportações agrícolas totaisdo Brasil e vice-versa. Considerou-se o universo de produtos agrícolas a 6 dígitos do Sistema Harmonizado, conforme definido pelo Acordo Agrícola do Gatt. Fonte: Base de dados da Alca (2001), Trains, Amada e DataIntal..
O Brasil continua sendo muito mais um "no trader" do que um "global trader" no mercado mundial. Apenas reclamar da truculência dos outros é algo que não vai resolver os graves desafios da inserção internacional do País. Preparação, definição de interesses a 8 dígitos e maior coordenação governo-empresários-academia são a única receita efetiva para o sucesso.
(*)Marcos Sawaya Jank é professor da Universidade de São Paulo e pesquisador visitante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O autor expressa seus pontos de vista em caráter pessoal E-mail: