As despedidas de Roberto Rodrigues da ACI Mais de mil dias

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ROBERTO RODRIGUES (*)

A Aliança Cooperativa Internacional (ACI) é uma das mais antigas Organizações Não-Governamentais do mundo. Criada em 1895 para unificar os princípios e valores da doutrina cooperativista e disseminar a idéia da solidariedade pelo planeta, conta hoje com 250 organizações nacionais, regionais ou setoriais de cooperativas de uma centena de países. Seus associados individuais somam 800 milhões de pessoas e, se cada um tiver três familiares, existem 2,4 bilhões de almas abrigadas por uma única filosofia, valores e princípios universalmente aceitos.

O Brasil filiou-se a ACI por meio da Organização das Cooperativas Brasileiras em 1989, muito depois de diversos países latino-americanos. Mas a importância do cooperativismo brasileiro logo lhe valeu a presidência da Organização Mundial das Cooperativas Agrícolas (Icao), em 1992, a presidência do Conselho Continental da ACI/Américas (1994) e a presidência mundial da entidade, desde setembro de 1997.

Tive a grande honra de representar o País nestas três posições. Foi um período fantástico, e durante os últimos nove anos visitei 79 países de todos os continentes, em mais de mil dias fora do Brasil, discutindo cooperativismo com presidentes, rainhas e reis, primeiros-ministros, líderes de parlamentos e da sociedade civil, acumulando uma instigante experiência.

Tive também o privilégio de participar de eventos das Nações Unidas, de conselhos agrícolas e das negociações na Organização Internacional do Trabalho, na Organização Mundial do Comércio, e na FAO, e de inúmeras reuniões multilaterais e regionais ligadas aos agronegócios e a questões sociais.

Neste interminável aprendizado foi possível constatar o estrago que a exclusão social e a concentração de riqueza - filhas do fatídico casamento entre a globalidade econômica e o liberalismo comercial ocorrido no dia da queda do Muro de Berlim - fazem pelo mundo afora, em especial na contundente ameaça à democracia e à paz.

Compreendi que os governos contemporâneos não conseguem resolver os problemas ordinários de gente comum porque ficaram reféns do fluxo de capitais. Estes sim, sem ideologia, religião ou cor, interessados apenas na acumulação, são os responsáveis pela produção de empregos e pelos investimentos, produtivos ou especulativos. São eles que criam ou destroem esperanças, perspectivas e expectativas.

Aprendi que os valores fundamentais da eqüidade, responsáveis pela construção de sociedades harmoniosas, como solidariedade, ética, coletivismo, justiça social, são cada vez mais atropelados pela ambição, egoísmo, má-fé, individualismo e corrupção. E que tudo isso se reflete de maneira dramática sobre feitos importantes, como as negociações internacionais de comércio: aí prevalecem a hipocrisia e a distância entre o discurso e a prática.

Aprendi que o amor é o grande combustível da esperança: só lutamos por um mundo melhor por amor aos familiares, amigos, a nós mesmos, aos nossos ideais... Que os problemas básicos da sobrevivência - oportunidades iguais, emprego e renda, educação e saúde, casa e comida, lazer e justiça - só podem ser solucionados por meio da organização comunitária: no município, no bairro, no cluster. Onde as forças vivas precisam articular-se: prefeitos, câmaras municipais, clubes de serviço, sindicatos, associações, empresas (as cadeias produtivas), poderes constituídos e igrejas. E que neste cluster do bem-estar social, da felicidade mesmo, as cooperativas joguem um papel maravilhoso. Elas podem ser a locomotiva do cluster porque estão embasadas em princípios seculares e universais. São o braço econômico da organização social. Para que o cooperativismo seja a ponte entre o mercado e a felicidade, a esperança, a democracia e a paz, é preciso preparar gente, maciçamente e estabelecer leis que não marginalizem o setor.

(*)Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo e agricultor, professor de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) e hoje se despede, em Seul, Coréia, da ACI

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