AS COOPERATIVAS E A LEI

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Almir Pazzianotto Pinto(*)

Todos concordam que as palavras publicadas adquirem forte poder de convencimento. Com a lei, esse fenômeno ocorre de forma ainda mais veemente, o que nos leva a procurar remédios para velhos e novos problemas mediante criação ou reforma legislativa, imaginando-se que, ao entrar em vigor, o texto legal alcance imediata e irrestrita eficácia. No Brasil, como se sabe, temos leis que ''pegam'' e que ''não pegam''. Excelente exemplo das primeiras é a que em 1966 instituiu o Fundo de Garantia. Trata-se de instrumento facilitador das relações de trabalho, contestado pelos dirigentes sindicais da época, hoje visto como importante conquista pela maioria absoluta de patrões e empregados.

Entre as que não pegaram, aponto a que dispõe sobre suspensão do contrato de trabalho por período entre dois e cinco meses e aquela que autoriza contratações por prazo determinado, ambas projetadas com a finalidade de atenuar o desemprego. Precedidas de otimista publicidade, logo cairiam no esquecimento, rejeitadas pelos sindicatos, na quase totalidade inimigos de inovações no terreno das negociações coletivas. Às que não vingaram, o legislador acrescentaria o paradoxal caso de lei que falta com a verdade. É o que sucede com o parágrafo único do artigo 442 da CLT. Esse dispositivo, cuja redação permaneceria imune a alterações desde a entrada em vigor da Consolidação em 1943, define contrato de trabalho como ''acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego''. Passados 50 anos, o Congresso Nacional acrescentou-lhe parágrafo único, proclamando que, ''qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela''.

Tão logo o adendo foi aprovado, ganhou impulso a organização de cooperativas de prestação de serviços. A rigor, numerosas eram as associações dessa natureza, como as habitacionais, de crédito, consumo, de produtores rurais e agroindustriais e outras que, nos grandes centros, reuniriam médicos e taxistas.

A recém-chegada previsão legal atraiu o interesse de empregadores, os quais, confiantes no fato de o projeto haver passado pelo crivo de 513 deputados, 81 senadores e merecido a sanção do presidente da República, consideraram-se autorizados a se servir de cooperativas prestadoras de trabalho, visando, evidentemente, reduzir custos de serviços ou produtos industriais colocados no mercado consumidor.

Não me parece certo cobrar do cidadão que desconfie do texto expresso da lei e o evite, temeroso de cometer infração grave. Do mesmo modo, não é de se esperar que, diante de duas alternativas legítimas, alguém ignore a mais recente e menos onerosa, optando pela mais antiga e dispendiosa.

Os empregadores que acreditaram no parágrafo único do art. 442 da CLT logo se deram mal, pois, embora ali se afirme de maneira categórica a inexistência de vínculo empregatício entre integrantes de cooperativa e tomadores de serviços, assim não entenderam auditores fiscais do Ministério do Trabalho, integrantes do Ministério Público e membros da Justiça do Trabalho, para os quais, ao contratar cooperativas de trabalho, os contratantes estão infringindo normas tutelares da mesma CLT, sujeitando-se a imediatas penalidades.

A reconhecida necessidade de diminuir custos, presente nas economias contemporâneas, estimula entidades e empresas a se valerem de cooperativas organizadas na forma da lei e, em conseqüência, à primeira vista regulares. A fiscalização, por sua vez, não admite que assim se faça, enxergando em cada contrato instrumento fraudador de garantias contidas na legislação do trabalho. O legislador, conquanto tenha diante de si situação inusitada, reluta em aprovar projetos que revoguem o parágrafo único do art. 442. Receia provocar a morte de cooperativas bem formadas e que prestam relevantes serviços aos cooperados e às empresas e associações que delas se valem.

Reconhecer àqueles que se limitaram a dar efetividade à lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República o sagrado direito de defesa, antes da aplicação de multas e de outras punições, é o mínimo que se espera dos órgãos de fiscalização. Se a lei está equivocada, cuide-se de sua eliminação ou do seu aperfeiçoamento, evitando que se converta em causa de pesadelos e prejuízos para quem acreditou na sua literalidade. Que a lei ''não pegue'', quando encontra obstáculos na economia, formação histórica ou tradições arraigadas, talvez se possa compreender. Inaceitável é que, por conter falsa verdade, gere prejuízos para aqueles que nela acreditaram.

(*)Ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (c.9)

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