?GLOBALILUSÃO?

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Roberto Rodrigues(*) - DIÁRIO DE BORDO - Revista Agroanalysis - junho 99

Cada dia é mais evidente que a ditadura do mercado determinada pela globalização econômica representa uma ameaça às democracias. O crescimento do desemprego - e da exclusão social -, dado pela necessidade de reduzir custos para competir, e o aumento do poder político das grandes corporações privadas sobre os governos são as expressões mais visíveis desta ameaça.

A América Latina está a provar esta tese.

Na Venezuela, um novo presidente, empossado em fevereiro passado, em discurso pela TV, defendeu um cidadão que lhe havia dito ser capaz de roubar se não conseguisse emprego e, assim, garantir o sustento da família. O país vive a expectativa da anarquia, embora o presidente tenha popularidade superior a 80%. A Colômbia luta para sair do tríplice drama dado pelas guerrilha, pela droga e pelos paramilitares. O governo está sofrendo para se impor num clima de grande insegurança.

O governo equatoriano, ao estabelecer ações radicais em busca de estabilização econômica, criou uma crise social e política complicada. No Peru a democracia está ameaçada pela ação firme de um presidente que governa com mão de ferro... Até quando?

O Chile, estável há anos, mergulhou na divisão criada com o episódio Pinochet. Há sombras no horizonte, assim como no Paraguai, cuja fragilidade institucional ficou patente com o assassinato do vice-presidente e a deposição do presidente. A economia argentina, fortemente dependente da brasileira, vive um momento de incertezas. No próprio Brasil, o crescimento da violência dos movimentos sociais e o discurso das oposições a favor da derrubada de FHC - responsabilizado pelo desemprego - se somam à insegurança gritante dos centros urbanos.

Mas não é só a América do Sul, o México está às voltas com Chiapas e toda a América Central vive problemas socioeconômicos depois de Mitch, sem falar nas grandes Ilhas do Caribe como Cuba e Taiti.

Mas não é só na América Latina. A Ásia não deixa por menos. A Indonésia é emblemática, especialmente agora, com Timor, mas Coréia, Tailândia e Malásia não são maravilhas da paz. E a economia do Japão volta a crescer ou não? Na Índia caiu todo o governo, e o país deverá ser dirigido por uma italiana, viúva de Rajv Gandhi. E a China? Sempre uma grande incógnita: como agirão os chineses quando os setores privatizados demandarem investimentos locais?

A Europa do Leste vive também de incertezas, dada a crise russa do ano passado. Está claro que a idéia de que rapidamente os países do Leste se adequariam à economia de mercado estava errada.

Mas a Europa Ocidental também está atrapalhada, seja porque o desemprego está muito alto (cerca de 12% em média), seja por questões agudas de corrupção. Nesse caso, foi impressionante a renúncia de toda a Comissão da UE há pouco tempo. Aliás, a renúncia do COI também foi espetacular. Que dizer do episódio de Kosovo com ação da OTAN? Trata-se de algo inacreditável, mas todos assistimos àquilo placidamente pela TV.

Os duros problemas da África e do Oriente Médio já tão recorrentes que ninguém mais se impressiona.

O Banco Mundial informa que em 1999 crescerá de 1 bilhão para 1.5 bilhão o número de pessoas no mundo que vivem com menos de 1 dólar por dia. A barbárie se banaliza e o que assusta é a incapacidade de reação dos governos.

Na área econômica, a vigorosa e rapidíssima movimentação de capitais de bolsa em bolsa, sem nenhuma contemplação ou preocupação ética ou moral - e principalmente social - imobiliza os governos. Que são também reféns da necessidade de oferecer aos agentes econômicos de seus países uma boa capacidade de competição. Com isso, sua ação na área de políticas monetárias, fiscais ou tributarias fica engessada.

Assim, incapazes de gerar programas poderosos de criação de empregos, os governos quase que só assistem, impotentes, ao crescimento da exclusão, da desigualdade, da iniqüidade - e da violência. Em alguns casos, em países recentemente democratizados, governos não usam sua autoridade com medo de serem confundidos com os do tempo do autoritarismo. E deixam campear a desordem.

Os Estados Unidos e o Canadá constituem a honrosa exceção. A dúvida é: até quando serão uma ilha de paz social e prosperidade em um mundo perplexo, que se deixou prender na armadilha sacrossanta do liberalismo.

O grande problema é a exclusão generalizada, que implica infelicidade para as pessoas. Em seu recente livro Economia Global e Exclusão Social, Gilberto Dupas analisou com rigor científico a questão da exclusão, mostrando que ela se dá em todos os níveis sociais. Não está apenas - embora esteja aí muito evidente - entre os desempregados; está também entre os que não conseguem um emprego melhor, e por isso não podem progredir; está entre os que perderam poder aquisitivo e assim não podem mais mostrar seus sinais materiais de riqueza; entre os que não podem viajar ou ir ao cinema, ao teatro, ao campo de futebol, ao bar; entre os que precisam economizar para educar os filhos e não podem ler novos livros ou assinar suas revistas preferida, não podem receber visitas ou amigos em casa; entre os que têm medo de sair, por insegurança. Tudo isso faz parte da exclusão, embora o mais dramático seja a falta de expectativa de conseguir emprego. O que representa desesperança e, portanto, infelicidade.

É possível, então, dizer que a globalização traz infelicidades às pessoas? Sem dúvida que imensa parcela da população planetária ainda não se beneficiou do fenômeno. Ou, ainda pior, foi por ela prejudicada.

Pois é neste doloroso caldo de cultura - ausência de bem-estar, incapacidade dos governos para reagir, incerteza geral quanto ao futuro, violência individual ou coletiva (guerras), ameaças à democracia e insegurança coletiva - que o mundo mergulhará, brevemente, na discussão sobre as regras de comércio que deverão vigorar no terceiro milênio. Estaremos preparados psicologicamente para essa discussão? Estaremos tecnicamente capacitados, é verdade. Mas o que buscaremos na OMC? Como nos organizaremos de alguma forma solidária se toda a defesa contra a globalização se dá pela ação solitária, traduzida no crescimento da tendência de políticas internas protecionistas?

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(*) Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo e agricultor, presidente da ACI - Aliança Cooperativa Internacional, da ABAG - Associação Brasileira de Agribusiness e professor de economia rural da UNESP/Jaboticabal

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