Raízes da carga tributária elevada
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A carga tributária brasileira alcançou quase 33% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2001, configurando um recorde histórico desde 1947, ocasião do início do cômputo das contas nacionais do país, resultante da perversa dissociação entre o crescente e voraz apetite coletor do Estado e o reduzido dinamismo do lado real do sistema econômico, contrariando o comportamento normalmente casado entre as curvas de arrecadação de impostos e de avanços ou refluxos das atividades produtivas em qualquer economia capitalista.
Não bastasse sua natureza crescente, a arrecadação tributária brasileira ainda registrou dois saltos apreciáveis no decorrer de sua trajetória histórica: entre 1967 e 1969, fruto da reforma tributária realizada pelo governo militar egresso do Golpe de 1964, e entre 1994 e 2001, explicado pelo alargamento de base e ampliação de alíquotas de impostos cumulativos, que respondem por mais de 20% da receita global, agravando a concentração da incidência nos bens e serviços.
Apenas como ilustração, o peso dos impostos sobre bens e serviços passou de cerca de 10% do PIB nos anos 80 para mais de 16% atuais, contra 8% da folha de salários e 5% do Imposto de Renda. A Cofins (ex FINSOCIAL), o PIS/PASEP e a CPMF representam quase 80% da arrecadação do ICMS, carro-chefe da receita de tributos no Brasil.
De fato, no intervalo de tempo compreendido entre 1994 e 2001, mudanças na legislação tributária, aumento do número de contribuições e/ou de alíquotas, ampliação da base de arrecadação e constantes aprimoramentos na eficiência dos aparelhos fisco-arrecadadores, sobretudo do governo federal, provocaram a conformação de um processo de contínua e progressiva transferência de renda da esfera privada para a pública, atestada pela evolução de aproximadamente 42% da receita tributária contra 18,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, no citado período.
Em outros termos, a frequente recorrência, por parte do governo federal, à subterfúgios de legalidade no mínimo duvidosa para escapar das regras constitucionais da anualidade e de repartição do bolo com estados e municípios, explica, em grande medida, o desempenho nada animador de variáveis macroeconômicas estratégicas como investimento e emprego.
Mais especificamente, um conjunto de providências bastante ortodoxas tem provocado alargamento da cunha tributária. Por exemplo, o não reajustamento da tabela do Imposto de Renda (IR) e dos limites de isenção e a variação da massa salarial nominal em mais de 50% (fruto de dissídios para a recomposição do poder aquisitivo em face da inflação), nos últimos sete anos, implicou no crescimento de quase 130,0% do universo de declarantes, que saltou de 6 milhões para 13,6 milhões. Ademais, constatou-se elevação das alíquotas da Cofins de 2% para 3%, da CPMF de 0,30% para 0,38% e do IR sobre as transações do mercado acionário de 10% para 20%, dentre outras atrocidades do anacrônico sistema tributário brasileiro.
Frise-se que especificamente a cobrança ampliada das contribuições sociais cumulativas (Cofins, PIS/PASEP e CPMF) `facilita a vida` da União, dado o seu caráter exclusivo (não precisam ser compartilhadas com outras instâncias públicas), a base de arrecadação abrangente e a facilitação do financiamento dos dispêndios mais pressionados pela Constituição de 1988.
Não bastasse esse grupo de distorções, há ainda a distribuição pouco criteriosa da carga, bastante desconectada da capacidade contributiva dos agentes. Assim, no período em foco, a arrecadação do IR cresceu 36,7% para os assalariados e apenas 11,7% para os bancos, contra expansão pouco superior a 50% das remunerações do trabalho e de 180% dos lucros dos intermediários financeiros.
Seria ocioso insistir que esse apetite tributário, principalmente da União, está na contramão do cumprimento dos fatores de competitividade sistêmica num ambiente de globalização produtiva e financeira, sintetizados na sintonia fina entre as variáveis juros, tributos, burocracia, câmbio e infra-estrutura. Nesse caso, os ganhos de competitividade requeriam pronunciada retração das cargas financeira, tributária e burocrática e impulsão do câmbio (desvalorização do real) e da retaguarda infra-estrutural (física e científica e tecnológica). É exatamente o oposto do retrato brasileiro dos últimos anos.
(*)Professor de Economia da FAE Business School Artigo publicado na Gazeta Mercantil (Sul) de 16/09/02.