PÃO, ESCOLA E PAZ
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José Nêumanne(*)
Um dia destes, o escritor Ariano Suassuna, numa daquelas suas entrevistas engraçadíssimas para a televisão, definiu um dos maiores empecilhos que o Brasil tem encontrado para o desenvolvimento pleno e a chegada até a maioria da população de vantagens e benefícios de fazer parte do clube das dez maiores economias do mundo. Ele se referia a um episódio familiar: o assassínio de seu pai, o deputado João Suassuna, no calor da explosiva situação que terminaria na derrubada do presidente Washington Luiz pelos revolucionários de 1930. O autor de O Auto da Compadecida, grande sucesso do teatro e maior êxito de bilheteria do cinema brasileiro, recordava que, desde então, a cidade tem representado tudo o que é moderno e avançado e o campo, o atraso, o país ao qual o Brasil não pode regredir.
De fato, de 1930 para cá, mesmo tendo a industrialização sido financiada basicamente por recursos produzidos pela agricultura, esta passou a ser desprezada, mantida de lado e até perseguida. Trata-se de uma mentalidade para a qual contribuem os preconceitos da esquerda marxista e da direita plutocrática, com uma mãozinha de parte da própria elite rural brasileira, que resistiu à desconcentração fundiária até o ponto de ela não ser mais necessária e até hoje vive de pires estendido para os recursos escassos do Estado, sem falar nas vergonhosas anistias periódicas de suas dívidas, bancadas pelo bolso furado do contribuinte.
As vantagens comparativas da agricultura brasileira são, contudo, tão grandes que a associação da competência técnica e científica de órgãos como a Embrapa com o espírito empreendedor de alguns pioneiros tem produzido verdadeiros milagres no campo. Estamos prestes a cruzar o marco-símbolo dos 100 milhões de toneladas de grãos já na próxima safra e, neste mundo abalado pelo terror e pela crise argentina, o agronegócio superou os US$ 16 bilhões de superávit previstos para este ano, podendo chegar a US$ 18 bilhões, conforme anunciou o ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes.
Se o futuro presidente tiver juízo, pertença ele ao partido ou à corrente ideológica que pertencer, dará prioridade absoluta à produção primária na política interna, investindo mais em tecnologia e trabalhando para virar pelo avesso essa mentalidade idiota segundo a qual a produção primária é passado e o futuro está apenas na transformação manufatureira. E também deverá seguir os passos de Fernando Henrique no front externo, denunciando e combatendo o financiamento da improdutividade agrícola dos países ricos ao custo de US$ 1 bilhão por dia, arrancado da boca de nossos pobres.
Além disso, o novo presidente terá de fazer o oposto do que faz a prefeita petista de São Paulo, Marta Suplicy: aumentar o investimento em educação, mas não para engordar os privilégios das academias e, sim, para dar excelência ao ensino básico. Chegou a hora de assumir que é uma vergonha insuportável ver pais desesperados formarem filas disputando vaga na escola pública da maior cidade do País. Uma sociedade que convive com isso passivamente não pode reivindicar papel nenhum no futuro, a não ser o de mendigos catadores de sobras no banquete da globalização. As sociedades que pretendem ter um lugar no trem para o futuro estão mandando para a cadeia os pais que se recusam a matricular os filhos em idade escolar em sua rede pública de ensino e não relegando ao relento os que querem educar a prole e ainda ameaçando de expulsão os companheiros de partido que não aceitem reduzir ainda mais os minguados recursos para o setor, como faz dona Marta.
Esses dois temas - agricultura e educação - já preencheriam uma agenda construtiva para o sucessor de Fernando Henrique. Talvez o bom candidato só precisasse atacar mais dois pontos nos quais o tucanato no poder há oito anos malogrou: uma reforma tributária para desonerar a produção e tirar o ineficiente Estado brasileiro das costas de quem trabalha; e uma política de segurança pública capaz de deter os índices alarmantes de violência urbana.
Entre a demagogia e o oportunismo, os candidatos que apareceram até agora não têm abordado esses quatro temas como deveriam. Quando o fazem, emitem sinais de não terem entendido - patavina. Lula, o favorito das pesquisas, deixou-se engabelar pela lábia dos franceses, que mascaram o subsídio a seus agricultores preguiçosos e improdutivos com aquela conversa mole da segurança alimentar. E seus adversários do centro e da direita não têm demonstrado consciência nenhuma da necessidade de concentrar esforços em pão, escola, menos impostos e mais paz.
Pior para nós, que corremos o risco de ter de escolher o menos pior no momento em que mais precisamos do melhor.
(*) José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde. Transcrito de O Estado de São Paulo, 5 de dezembro 2001 ? Pág. 2.