Opinião: Um mundo de subsídios

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Os governos em todo o mundo gastam muito mais do que se imaginava até agora com subsídios para a agricultura, a indústria e os serviços. De acordo com estimativas que acabam de ser divulgadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), os subsídios podem chegar a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, ou cerca de US$ 1 trilhão por ano. É um valor muito superior ao normalmente admitido para o total de subsídios governamentais concedidos no mundo.


Por causa da "extraordinária insuficiência de dados confiáveis e sistematizados", como reconhece o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, na apresentação do relatório anual da organização no qual o tema é discutido, é impossível determinar com exatidão quanto os governos gastam com subsídios. Até mesmo o conceito de subsídio gera discordâncias entre os países. A nova estimativa, por isso, pode ser questionada.


Mas a pesquisa da OMC - que ocupa boa parte do relatório anual, no qual se analisa a tendência do comércio mundial - não deixa dúvida quanto a alguns aspectos essenciais dos subsídios no mundo. O que o estudo mostra com clareza, por exemplo, é que os países desenvolvidos são os que mais utilizam recursos do contribuinte para subsidiar diferentes setores da economia. É até compreensível que o valor dos subsídios nos países industrializados seja maior do que nos demais países em termos absolutos, pois sua economia e seus orçamentos públicos são também muito maiores. O que impressiona, porém, é que as subvenções concedidas pelos países ricos representam também uma fatia maior dos orçamentos públicos e do PIB do que a dos países menos desenvolvidos. Entre 1998 e 2002, os subsídios representaram 8,2% dos gastos governamentais nos países ricos e apenas 4,4% nos demais. No grupo dos 22 países mais ricos estudados pela OMC, a ajuda governamental representou 1,4% do PIB, enquanto numa amostra de 31 países em desenvolvimento essa fatia se limitou a 0,6% do PIB. 

Grande parte da economia mundial funciona apenas à base de subsídios 
De um total de US$ 300 bilhões de subsídios que comprovadamente os países concederam em 2003, nada menos do que US$ 250 bilhões, ou quase 85% do total, foram de responsabilidade dos países ricos. Os subsídios agrícolas foram cortados nos últimos 20 anos, principalmente na Europa, no Japão e no Canadá. Mas continuam elevados e, por isso, foram um dos principais temas de discussão na Rodada Doha. Na realidade foi o impasse em torno desse tema que provocou o colapso das negociações. Os subsídios concedidos à agricultura pelos países ricos está entre US$ 230 bilhões e US$ 280 bilhões por ano. Nos EUA, eles se mantiveram praticamente inalterados nos últimos anos. Países exportadores de produtos agrícolas, como o Brasil, são prejudicados por essa prática.


O Brasil é um dos que menos concedem subsídios para o setor privado. No período 1998-2002, a ajuda do governo representou 0,3% do PIB e 1,6% dos gastos públicos. Mais de 50% do total dos benefícios foi para o setor de serviços; o restante foi destinado em fatias praticamente iguais para a agricultura e a indústria. O Brasil é também um dos poucos países que revelam os setores que recebem a ajuda governamental.


Muitas são as justificativas para a concessão de subsídios.
A necessidade de construção de infra-estrutura econômica, assegurar condições de competição a certos segmentos da indústria, estimular a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico, distribuir renda e até proteger o meio ambiente estão entre elas. A OMC considera justificáveis algumas dessas ajudas governamentais, entre elas o apoio à inovação. Mas a questão é controvertida e, dependendo de quem fizer o julgamento, o subsídio é bom para corrigir falhas do mercado e para permitir que se alcancem objetivos sociais, ou ruim porque gera distorções no comércio. O que se tem observado é que os países em desenvolvimento perdem muito com os subsídios dos ricos. Também perdem, em termos de eficiência econômica, os países ricos. Mas "mudar a forma de apoio estatal é politicamente difícil e requer determinação e coragem", reconhece o diretor-geral da OMC. Alguns dos principais negociadores da Rodada Doha não demonstraram dispor desses atributos. (Editorial publicado no Jornal O Estado de São Paulo – 29/07/06)

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